segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

SOB O IMPÉRIO DE MOMO A “CARNIS” COBIÇA "VALLES" -É CARNAVAL! (Jorge Hessen)

Jorge Hessen
http://aluznamente.com.br

A cada ano pessoas mergulham numa falsa felicidade de 3 dias de “folia” (1) seguida de 362 dias de novas e reconstruídas aflições. Será lícito confundir “diversão” passageira com alegria real? O carnaval é um desses delírios coletivos que costumam ser classificados como “extravasadores de energias reprimidas” – será mesmo? Em verdade o entrudo (2) representa o momento em que pessoas projetam o que há de mais irracional e de mais incivilizado em si mesmas.
Há quem afirme ser o período do carnaval marcado pelo "adeus à carne", ou do latim "carne vale", dando origem à palavra. Embora não haja unanimidade entre os estudiosos, a terminologia pode estar associada à ideia de encanto dos prazeres do corpo (carnal) marcado pela expressão "carnis valles", sendo que "carnis" em latim significa carne e "valles" significa prazeres.
Já foi no passado a comemoração dos povos guerreiros, festejando vitórias; foi reverência coletiva ao deus Dionísio, na Grécia clássica (bacanália); na velha Roma imolava-se nessas ocasiões uma vítima humana (saturnália); na Idade Média era uma comemoração adotada pela Igreja romana, no século VI. Isso nos remete ao início do período da quaresma, uma pausa de 40 dias nos excessos cometidos durante o ano (mormente alimentação). (3) Assim, em sua origem não era apenas um período de reflexão espiritual, como também uma época de privação de certos alimentos como a carne.
Em Roma, em homenagem ao Deus Saturno, carros alegóricos (a cavalo) desfilavam com homens e mulheres. Eram os carrum navalis. O termo carnaval pode derivar das iniciais da frase: “carne nada vale”. Outra interpretação para a etimologia da palavra é a de que esta derive de currus navalis, expressão anterior ao Cristianismo e que significa carro naval. (4)
Há muitos séculos o carnaval era marcado por grandes festas, em que se comia, bebia e participava de frenéticas celebrações e busca incessante dos prazeres. (5) Prolongava-se por sete dias (de dezembro) nas ruas, praças e casas da antiga Roma. Todas as atividades e negócios eram suspensos nesse período; os escravos ganhavam liberdade temporária para fazer o que quisessem e as restrições morais eram relaxadas. Um rei era eleito por brincadeira e comandava o cortejo pelas ruas (saturnalicius princeps).
O carnaval atual é modelado na sociedade da corte (vitoriana) do século XIX. A cidade de Paris foi o principal modelo exportador da homenagem a Momo para o mundo. Cidades como Nice, Nova Orleans, Toronto e Rio de Janeiro se inspirariam no carnaval parisiense para implantar suas novas festas carnavalescas.
Um fato é incontestável: a cultura do carnaval estabelece tudo o que aguça o primarismo humano, volúpia, sensualidade e prazer. Não propomos quaisquer normas proibitivas ou restrição de anseios pessoais. Até porque temos o livre arbítrio, e viver na Terra é fazer as escolhas pessoais. Sem medo de correr o risco de ser taxado de moralista, lembro que a Lei de Causa e Efeito preconiza a obrigatoriedade da colheita em tudo o que foi semeado livremente.
Para todas as situações da vida, lembremos sempre da recomendação de Paulo de Tarso: “Todas as coisas me são lícitas”. (6) Há os que julgam que a participação nas festas de Momo nenhum mal acarreta à integridade fisiopsicoespiritual. Divergimos desse ponto de vista.
A Doutrina Espírita nada proíbe, nem nada obriga, nem censura o carnaval; mas igualmente, não endossa sua realização. Sabe-se que durante a folia de Momo são perpetrados abusos de todos os tipos e, mormente, desregramentos da carga erótica de adolescentes, jovens, adultos e até velhos (mal resolvidos); há consumo exagerado de álcool e outras drogas, instalação da bestialidade generalizada, excessos esses que atraem espíritos vinculados ao deletério parasitismo magnético, semelhantes às hienas diante de carcaças deterioradas (carniças).
É verdade! A Doutrina Espírita nem apoia nem condena o carnaval; todavia clarifica muitos aspectos ligados ao evento. Inobstante não dite regras coercitivas, cremos que o espírita deve ter completa ciência das implicações infelizes advindas desses festejos alucinantes. Logicamente não precisa se condenar o carnaval, nem temer por acreditá-lo uma festa “diabólica”; não precisa evadir-se por receio de atração dos seus “encantos”, porém vigiar à distância da agitação. Se se aprecia o folguedo de Momo, deve-se ser um observador atento e equilibrado.
Não fossem os exageros, o carnaval, como festa de integração sociocultural, poderia se tornar um acontecimento compreensível, até porque não admitir isso é incorrer em erro de intolerância. Há muita gente que busca fazer do carnaval um momento de esperança, oportunizando empregos, abrigando menores, e isso é muito valioso. Entretanto, o grande saldo da festa se resume em três palavras: violência, ilusão e sensualidade.
Particularmente, não vejo outro caminho que não seja o da “abstinência sincera das folias”. O ideal seria o emprego do feriadão para a descoberta de si mesmo, entrosamento com os familiares, leitura de livros instrutivos, frequência a reuniões espíritas, participação em eventos educacionais, culturais ou mesmo o descanso, já que o ritmo frenético do dia a dia exige, cada vez mais, preparo e estrutura físico-psicológica para os embates pela sobrevivência.
Não há como “tapar o sol com a peneira” e ignorar que nesses períodos os foliões fascinados surgem de todos os antros para busca da perversão. A efervescência momesca é episódio que satura em si a carga da barbárie e do primitivismo. Há os que aniquilam as finanças familiares para experimentar o momento efêmero de “desfrutar” dias de total paranoia. Adolescentes, adultos e decrépitos se abandonam nas arapucas pegajosas das estéreis fanfarras. Não percebem que bandos de malfeitores do além (obsessores) igualmente colonizam as “avenidas e ruas” num lúgubre show de bizarrices. Malfeitores das penumbras espirituais se acoplam aos histriões fantasiados pelos fios invisíveis do pensamento por causa dos entulhos lascivos que trazem na intimidade.
Todos estamos sob influências das entidades do além-túmulo. Muitas fantasias de expressões ridículas são inspiradas pelos espíritos que vivem em regiões penumbrosas do além. Os espíritos excitam “nossos pensamentos e ações e essa influência é maior do que imaginamos porque, frequentemente, são eles [os espíritos] que nos conduzem”. (7) Pode parecer assustador tal afirmativa, ainda mais que se tem tais espíritos à conta de “demônios”.
Os três dias de Momo, portanto, poderão se transformar em três séculos de penosas reparações. Será que vale a pena pagar preço tão elevado? Os foliões incuráveis declaram que o carnaval é um extravasador de tensões, “liberando as energias”… Entretanto, no carnaval não são abrandadas as taxas de agressividade e nem as neuroses. O que se observa é um somatório da bestialidade urbana e de desventura doméstica. Após os festejos surgem as gravidezes indesejadas e a consequente proliferação de abortos, incidem graves acidentes de trânsito, acréscimo da criminalidade, estupros, suicídios, ampliação do consumo de várias substâncias estupefacientes, alcoólicos, assim como o surgimento de novos drogados, disseminação das enfermidades sexualmente transmissíveis (inclusive a AIDS).
Existem muitas outras formas de diversão, recreação ou entretenimento disponíveis ao homem contemporâneo, algumas verdadeiros meios de alegria salutar e aprimoramento (individual e coletivo), para nossa escolha. Para os espíritas, merece reflexão a advertência de André Luiz: “Afastar-se de festas lamentáveis, como aquelas que assinalam a passagem do CARNAVAL, inclusive as que se destaquem pelos excessos de gula, desregramento ou manifestações exteriores espetaculares. A verdadeira alegria não foge da temperança.”. (8) [grifamos]
Existem alguns centros espíritas que fecham suas portas nos feriados do carnaval por diversos pretextos inaceitáveis. Repensemos o seguinte: uma pessoa com necessidades imediatas de atendimento fraterno ou dos recursos espirituais urgentes em caso de obsessão – seria lógico fazê-la esperar para ser atendida após as "cinzas", uma vez ocorrendo essa infelicidade em dia de feriado momesco?
Como nosso imperativo maior é a Lei de Evolução, um dia tudo isso, todas essas manifestações ruidosas que marcam nosso estágio de inferioridade desaparecerão da Terra. Em seu lugar então predominarão a alegria pura, a jovialidade, a satisfação, o júbilo real, com o homem despertando para a beleza e a arte, sem agressão nem promiscuidade.


Referências:
(1)            Do francês folle, que significa loucura ou extravagância sem que tenha existido perda da razão
(2)            O entrudo chegou ao Brasil por volta do século XVII e foi influenciado pelas festas carnavalescas que aconteciam na Europa. Em países como Itália e França, o carnaval ocorria em formas de desfiles urbanos, onde os carnavalescos usavam máscaras e fantasias.
(3)            Excessos esses que incluem, segundo a crença da igreja romana, a alimentação
(4)            Esta interpretação baseia-se nas diversões próprias do começo da Primavera, com cortejos marítimos ou carros alegóricos em forma de barco, tanto na Grécia como em Roma e, posteriormente, entre os teutões (povos germânicos que viveram no centro e norte da Europa).
(5)            A Festa do deus Líber em Roma; a Festa dos Asnos que acontecia na igreja de Ruan no dia de Natal e na cidade de Beauvais no dia 14 de janeiro, entre outras inúmeras festas populares em todo o mundo e em todos tempos, têm esta mesma função.
(6)            I Coríntios 10:23
(7)            Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, questão 460, RJ: Ed FEB, 1990
(8)            Xavier, Francisco Cândido e Vieira Waldo. Conduta Espírita, ditado pelo espírito André Luiz,  RJ: Ed. FEB, 1999

domingo, 23 de fevereiro de 2014

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

PRECONCEITOS DE RAÇA… RAÇA?… QUE RAÇA? (Jorge Hessen )

Jorge Hessen
http://jorgehessen.net

O atleta Paulão, que defendeu a equipe do Gama aqui de Brasília, sofreu o insulto de racismo por alguns torcedores do Betis, na Espanha. O ex-lateral-esquerdo da seleção brasileira Roberto Carlos saiu agastado de campo, durante uma partida, logo após torcedores russos jogarem uma banana em campo. Em 2005, durante partida da primeira fase da Libertadores, o atacante são-paulino Grafite acusou o zagueiro Leandro Desábato de chamá-lo de “macaco”. (1) Na Semana passada, o jogador Tinga, do Cruzeiro, foi humilhado pela torcida do Real Garcilaso,  que fazia  coro  (imitando voz de macaco) toda vez que o atleta tocava na bola, durante o jogo realizado no estádio de Huancayo, no Peru.
Em que pesem as atuais e severas leis anti-racistas, o racismo continua a ser um grave problema em muitos países, mesmo onde teoricamente não existe, como no caso dos EUA (sobretudo nas zonas do Sul). A crise econômica e a pressão demográfica costumam ser motivo de problemas raciais mais ou menos graves, como sucede na Grã-Bretanha com os imigrantes, na França com os norte-africanos, na Alemanha com os turcos ou na Espanha com a população cigana e os trabalhadores negros ilegais.
Porém, sem dúvida alguma, o racismo brasileiro, ainda escamoteado e acobertado pelo mito da “democracia racial”, é um estigma, uma nódoa presente na mente dos brasileiros, e que faz parte do cotidiano de todos nós. Diante d’Ele, todos são iguais. Valendo-se, ao mesmo tempo, da possibilidade de anonimato e do alcance a milhões de internautas, o racismo tem se espalhado de maneira intensa pelo mundo digital. No Brasil, a divulgação do racismo, mesmo pela internet, significa crime, conforme é caracterizado pela legislação brasileira. A Constituição de 1988 tornou a prática do racismo crime sujeito a pena de prisão, inafiançável e imprescritível.
Os brasileiros atualmente mostram-se, aparentemente, menos preconceituosos do que há duas décadas. Contudo, reconhecemos o preconceito no outro, mas não em nós mesmos. Ou, como já definiu a historiadora da USP, Lilia Moritz Schwarcz, “todo brasileiro se sente como uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados”. (2) É preocupante constatar que a ambivalência se mantém. Parece que os brasileiros jogam, cada vez mais, o preconceito para o outro.
Para a ciência contemporânea, o conceito de raça é abstrato e agressivo, pois raças humanas não existem como entes biológicos. É agressivo porque a concepção de raça tem sido usada para abonar discriminação, opressão e barbaridades. “As raças não existem, mas a mentalidade relativa às raças foi reproduzida socialmente”. (3)
A afirmação das raças biológicas multicoloridas tem sido cada vez mais rejeitada pela genética. Os pesquisadores descobriram que a natureza genética de todos nós é idêntica o bastante para que a mínima porcentagem de genes que se caracterizam na aparência física, cor da pele etc., invalide a composição da sociedade em raças. Isso porque o acanhado número de genes desiguais está comumente conectado à adequação do indivíduo ao tipo de meio ambiente em que vive. Todas as raças provêm de um só tronco – o Homo sapiens – portanto o patrimônio hereditário dos humanos é comum.
Atualmente, ramos do conhecimento científico como a Antropologia, História ou Etnologia preferem o uso do conceito de etnia para descrever a composição de povos e grupos identitários ou culturais. Nacionalistas do final do século XIX foram os primeiros a abraçar os discursos contemporâneos sobre "raça", etnicidade e "sobrevivência do mais forte" para moldar novas doutrinas nacionalistas.
No texto intitulado “Frenologia espiritualista e espírita – Perfectibilidade da raça negra” (4), Kardec faz uma espécie de releitura dessa “ciência”, com um enfoque espiritualista, demonstrando que o “atraso” dos negros [habitantes da África à época] não se deveria a causas biológicas, mas por seus espíritos encarnados ainda serem, relativamente, jovens.
No bojo da literatura basilar da Terceira Revelação, o Codificador ressalta que "na reencarnação desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade". (5) Ante os ditames da pluralidade das existências, ainda segundo Kardec "enfraquecem-se os preconceitos de raça, os povos entram a considerar-se membros de uma grande família". (6)
A verdade é que nos grandes debates de cunho sociológico, antropológico, filosófico, psicológico etc., o Espiritismo provocará a maior revolução histórica no pensamento humano, conforme está inscrito nas questões 798 e 799 de O Livro dos Espíritos, sobretudo quando ocupar o lugar que lhe é devido na cultura e conhecimento humanos, pois seus preceitos morais advertirão os homens da urgente solidariedade que os há de unir como irmãos, apontando, por sua vez, que o progresso intelecto-moral na vida de todos os Espíritos é lei universal e tendo por modelo Jesus, que, ante os olhos do homem, é o maior arquétipo da perfeição que um Espírito pode alcançar. (7)
Com a Mensagem de Jesus compreendemos que na Terra há uma só raça: a raça humana. Caucasianos, africanos, indianos, árabes, judeus, asiáticos, não são de diferentes raças, são apenas de diferentes etnias, no esplêndido reino dos seres racionais.



Referências bibliográficas:
(1) Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/brasileiro-sofre-racismo-da-propria-torcida-na-espanha acesso 15/02/2014
(2) Disponível em http://zelmar.blogspot.com.br/2010/09/todo-brasileiro-se-sente-uma-ilha-de.html  aceso em 22/07/13
(3) Disponível em  http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2013/02/05/ciencia-busca-explicacoes-sociais-e-biologicas-para-explicar-o-preconceito.htm acesso em 20/07/13
(4) Publicado na Revista Espírita, artigo “Frenologia espiritualista e espírita – Perfectibilidade da raça negra”, de abril de 1862
(5) Kardec, Allan. A Gênese, Rio de Janeiro: Editora FEB, 2002, pág. 31.
(6) Idem págs. 415-416.
(7) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Editora FEB, 2003, parte 3ª, q. 798 e 799, cap. VIII item VI - Influência do Espiritismo no Progresso

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

OS PAIS SÃO RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO DOS VALORES MORAIS DOS FILHOS (Jorge Hessen )

Jorge Hessen
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O livro  “To Train Up a Child” (Treinando uma Criança), de autoria do pastor Michael Pearl e sua esposa Debbie , é uma espécie “manual de punição” que defende “sovas” para correção dos filhos malcomportados.  Os conteúdos versam sobre “surras” com a utilização de cintos, varas e outros apetrechos correlatos, descrevendo em detalhes os castigos considerados ideais em cada caso.(1) O casal Pearl e Debbie propõe o método da “coça” a fim de  condicionar a mente da criança antes que surja uma crise; é uma preparação para obediência futura, instantânea e sem questionamentos". (2) Todavia, em face da morte de três crianças, filhas de pais supostamente influenciados pelo livro, tem havido fortes reações de represália  contra os autores através de  campanhas populares,  visando  banir tal livro das livrarias americanas.
Recentemente uma brasileira foi condenada a nove meses de prisão, na Espanha, por expulsar de casa, por um dia, o seu filho de 15 anos. A sentença recebeu destaque nos principais jornais e TVs espanholas. Nossa conterrânea alegou que agiu assim, porque pretendia dar uma lição mais "forte" no filho, que é problemático, desobediente e muito agressivo. Sua intenção era ensinar-lhe regras sociais e respeito pela mãe. Para a juíza, do Tribunal Penal de Málaga, a atitude da brasileira representa uma negligência e um delito de abandono temporário, motivo pelo qual a condenou, explicando que, embora o menor se encontre em plena adolescência, com os conflitos comuns da idade, isso não é razão para colocá-lo fora de casa, deixando-o à intempérie na rua, por uma noite, porque essa decisão cria uma situação de risco para o menor.
Toda e qualquer violência doméstica é trágica sob qualquer análise. As relações entre filhos e pais deveriam ser, acima de tudo, de ordem ética. Mas, observa-se nessa relação uma deterioração emocional profunda e uma complexa malha de desestabilidades morais, que merece comentários.  Os pais devem estar sempre atentos e, incansavelmente, buscando um diálogo franco com os filhos, sobretudo, amando-os, independentemente, de como se situam na escala evolutiva. 
Sabe-se que os jovens hostis e violentos são pouco amados pelos pais, sentem-se deslocados no grupo familiar ou se consideram pouco atraentes, etc. Por estas e muitas outras razões, os pais devem transmitir segurança aos filhos através do afeto e do carinho constantes. Afinal, todo ser humano necessita ser amado, gostado, mesmo tendo consciência de seus defeitos, dificuldades e de suas reais diferenças
Os pais são responsáveis pelo desenvolvimento dos valores dos filhos e não devem apostar na escola para exercer essa tarefa. Um pai legítimo é aquele que cultiva em casa a cidadania familiar. Ou seja, ninguém em casa pode fazer aquilo que não se pode fazer na sociedade. É preciso impor a obrigação de que o filho faça isso, assim, cria-se a noção de que ele tem que participar da vida comunitária. Não há dúvida, que ante as balizas do bom senso e moderação os pais precisam estabelecer limites. Porém essa exigência  é muito mais acompanhar os limites, daquilo que o filho é capaz de fazer. 
A fase infantil, em sua primeira etapa, é a mais importante para a educação, e não podemos relaxar na orientação dos filhos, nas grandes revelações da vida. Sob nenhuma hipótese, essa primeira etapa reencarnatória deve ser enfrentada com insensibilidade. Até aproximadamente os sete anos de idade é o período infantil mais acessível às impressões que recebe dos pais, razão pela qual não podemos esquecer nosso dever de orientar os filhos quanto aos conteúdos morais. “O pretexto de que a criança deve desenvolver-se com a máxima noção de liberdade pode dar ensejo a graves perigos (...)pois o menino livre é a semente do celerado.” (3)
Se não observarmos essas regras, permitimos acender para o faltoso de ontem a mesma chama dos excessos de todos os matizes, que acarretam o extermínio e o delito. “Os pais espiritistas devem compreender essa característica de suas obrigações sagradas, entendendo que o lar não se fez para a contemplação egoística da espécie, mas sim para santuário onde, por vezes, se exige a renúncia e o sacrifício de uma existência inteira.”.(4)
Principalmente a mãe  deve ser o padrão de todos as renúncias pela serenidade familiar. Deve compreender, que seus filhos, primeiramente, são filhos de Deus. “ Desde os primeiros anos, deve ensinar a criança a fugir do abismo da liberdade, controlando-lhe as atitudes e concentrando-lhe as posições mentais, pois essa é a ocasião mais propícia à edificação das bases de uma vida. Ensinará a tolerância mais pura, mas não desdenhará a energia quando seja necessária no processo da educação, reconhecida a heterogeneidade das tendências e a diversidade dos temperamentos.”.(5)
A mãe “não deve dar razão a qualquer queixa dos filhos, sem exame desapaixonado e meticuloso das questões, levantando-lhes os sentimentos para Deus, sem permitir que estacionem na futilidade ou nos prejuízos morais das situações transitórias do mundo. Na hipótese de fracassarem todas as suas dedicações e renúncias, compete às mães incompreendidas entregar o fruto de seus labores a Deus, prescindindo de qualquer julgamento do mundo, pois que o Pai de Misericórdia saberá apreciar os seus sacrifícios e abençoará as suas penas, no instituto sagrado da vida familiar.”.(6)
Os filhos difíceis são reflexos de nossas próprias ações, no passado, cuja Benevolência de Deus, hoje, outorga a possibilidade de se unir a nós pelos laços da consanguinidade, dando-nos a estupenda chance de resgate, reparação e os serviços árduos da educação. “Dessa forma, diante dos filhos insurgentes e indisciplináveis, impenetráveis a todos os processos educativos, “os pais depois de movimentar todos os processos de amor e de energia no trabalho de orientação deles, é justo que esperem a manifestação da Providência Divina para o esclarecimento dos filhos incorrigíveis, compreendendo que essa manifestação deve chegar através de dores e de provas acerbas, de modo a semear-lhes, com êxito, o campo da compreensão e do sentimento.”.(7)
Esgotados todos os recursos a bem dos filhos e depois da prática sincera de todos os processos amorosos e enérgicos pela sua formação espiritual, sem êxito algum, os pais “devem entregá-los a Deus, de modo que sejam naturalmente trabalhados pelos processos tristes e violentos da educação do mundo. A dor tem possibilidades desconhecidas para penetrar os espíritos, onde a linfa do amor não conseguiu brotar, não obstante o serviço inestimável do afeto paternal, humano. Eis a razão pela qual, em certas circunstâncias da vida, faz-se mister que os pais estejam revestidos de suprema resignação, reconhecendo no sofrimento que persegue os filhos a manifestação de uma bondade superior, cujo buril oculto, constituído por sofrimentos, remodela e aperfeiçoa com vistas ao futuro espiritual.”.(8)
Como se observa  o Espiritismo adentra com muita profundidade, ao encarar a educação do ponto de vista moral. Até porque o período infantil é propício para deixar o espírito mais acessível aos bons conselhos e exemplos dos pais e educadores, pois o espírito é mais flexível em face da debilidade física, daí a tarefa de reformar o caráter e corrigir suas más tendências. Quando os Espíritos Superiores falam em reformar o caráter está implícito o reforço às boas tendências conquistadas pelo espírito reencarnante em vidas passadas. 
Na questão 629 de O Livro dos Espíritos, ao definirem o que é moral, os espíritos indicam duas regras básicas de procedimento para o ser humano. Primeiro fazer tudo tendo em vista o bem, segundo fazer tudo tendo em vista o bem de todos. Isso porque o bem não pode ser unilateral, ou seja, a ação não pode gerar benefícios somente para um indivíduo, e sim para todos. Só é bom aquilo que faz bem para todos. É por isso que vários discursos clamam pelas ações solidárias humanas, tão necessárias e que devem ser desenvolvidas desde a infância, para que a criança faça disso um hábito. (9)
Ainda nessa temática da educação do ponto de vista moral, Allan Kardec adverte em comentário à questão 685-A de O Livro dos Espíritos: "Há um elemento que não se ponderou bastante, e sem o qual a ciência econômica não passa de teoria: a educação. Não a educação intelectual, mas a moral, e nem ainda a educação moral pelos livros, mas a que consiste na arte de formar os caracteres, aquela que cria os hábitos adquiridos.”(10)
Não propomos soluções particulares, reprimindo ou regulamentando cada atitude, nem especificamos fórmulas mágicas de bom comportamento aos filhos. Elegemos por acatar, em toda sua amplitude, os dispositivos da Lei de Deus, que asseguram a todos o direito de escolha (o livre-arbítrio) e a responsabilidade consequente dos  atos de cada um.

Referências bibliográficas:

(1) Para crianças com menos de um ano, o livro sugere o uso de uma régua de 30cm ou um galho pequeno de chorão. Para crianças maiores, galhos maiores ou cintos.
(2) Disponível em  http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/12/131211_livro_surras_criancas_dg.shtml?s acesso em 12/02/2014
(3) XAVIER, Francisco Cândido. O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 17. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995, perg. 113
(4) Idem , idem
(5) Idem, perg.189
(6) Idem, idem
(7) Idem, perg.190
(8) Idem, perg.191
(9) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. São Paulo: questão número 629, Ed. Feesp, 1972.
(10) Idem questão número 685-A.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

UM OBREIRO NA CÚRIA ROMANA, OREMOS A FIM DE PROTEGÊ-LO (Jorge Hessen)

Jorge Hessen


O papa Francisco (*) é, sem dúvida, um aguerrido e alumiado proletário de Jesus. O portal “Mundo História”, da Espanha, divulgou uma preleção poderosa do “Santo papa” que está ecoando em todo o mundo católico. Dentre outras lúcidas declarações, destacamos: “não há fogo no inferno, Adão e Eva não são reais” (1). Os postulados doutrinários que afrontam a razão e a natureza excelsa de Deus, mantidos pela Igreja romana, estão sendo reavaliados pelo brilhante Sumo Sacerdote.
Diz o papa que “a igreja já não acredita em um inferno literal, onde as pessoas sofrem. Essa doutrina é incompatível com o amor infinito de Deus. Deus não é um juiz, mas um amigo e um amante da humanidade. Deus nos procura não para condenar, mas para abraçar”. Afiança Francisco o seguinte: “como a história de Adão e Eva, nós vemos o inferno como um artifício literário. O inferno é só uma metáfora da alma exilada, que, como todas as almas em última análise, estão unidos no amor com Deus.”. (2)
Nos últimos meses, os cardeais, bispos e teólogos católicos têm debatido na Cidade do Vaticanosobre o futuro da Igreja e da redefinição das doutrinas católicas e seus dogmas. Para Francisco, “a verdade religiosa evolui e muda. A verdade não é absoluta ou imutável. Deus habita em nós e em nossos corações.”. (3)
Afirmou o Pontífice que “algumas passagens da Bíblia estão desatualizadas”, lembrando que algumas “passagens bíblicas induzem para intolerância ou julgamento.” (4) E com base em nossa nova compreensão teológica, o papa ainda diz que é importante abrir as portas para as mulheres, ordená-las como cardeais, bispas e sacerdotes. E tem esperança que um dia um papa feminino não permita que qualquer porta que está aberta para um homem seja fechada para uma mulher.”. (5) Como diz o jargão  italiano  ” se non é vero…é ben trovato” ou seja  ”se não é verdade, foi muito bem contado”.
Nossa razão se recusa a alcançar a lógica de uma pessoa com adequada formação acadêmica, teológica etc., doutores, enfim, que acreditem em dogmas. Certo dia, andando pelas ruas de Brasília, por curiosidade, parei diante de um cartaz, afixado em um ponto de ônibus, com o seguinte aviso: ALMAS PERDIDAS E TORTURADAS PARA SEMPRE O INFERNO EM CHAMAS, 11.000 GRAUS CENTÍGRADOS E NEM UMA SÓ GOTA D’ÁGUA. O anúncio divulgava um filme que seria exibido numa igreja local. Era um documentário produzido por uma instituição norte-americana registrando “exatamente” como era o Inferno. Pasme!…
O Espiritismo é concessão divina para que enfrentemos as comoções provocadas pelas teologias caducas. As doutrinas que defendem a tese do Inferno (penas eternas), Céu (salvação), Adão, Eva etc., difundem germens danosos contra a emoção e a razão do homem. Acreditar que o “bonzinho” vá viver por toda a eternidade de contemplação, à espera do Céu beatífico, é conceber uma vida fastidiosa, após a morte. Houve época em que a crença mais comum era a de que havia sete céus – daí a expressão “estar no sétimo céu” para exprimir a perfeita felicidade. Os muçulmanos admitem nove céus, enquanto que o astrônomo Ptolomeu, que viveu em Alexandria, no século II, contava onze céus, e a teologia romana admite três céus.
Graças a Nicolau Copérnico, no século XV, foi dado um grande passo em direção à moderna Astronomia, destruindo as teorias geocêntricas ptolomaicas. No século XVI, Kepler, em sua obra intitulada Mistério Cosmográfico, seguindo o sistema de Copérnico, descobre a verdadeira órbita dos planetas. Galileu, com as pesquisas de Kepler, criou a mentalidade da Cosmografia Científica, abrindo espaço para a síntese newtoniana – base de toda a teoria astronômica. Isaac Newton, no século XVII, aplicou os princípios da mecânica aos fenômenos celestes, e pelas leis de Kepler deduziu a lei da Gravidade Universal, afirmando que quanto maior o corpo, menor a sua queda. Graças a isso é que se dá o equilíbrio entre os astros.
Hoje, a Ciência tenta explicar com segurança a formação das galáxias, das estrelas. Temos conhecimento de que existem cem bilhões de sóis na Via Láctea, e mais de cem milhões de galáxias configurando os planos do Universo de Deus, desafiando a inteligência humana.
O famigerado cartaz dos “11.000 GRAUS CENTÍGRADOS E NEM UMA SÓ GOTA D’ÁGUA” é a entronização do inferno, dramatizado pelos escritores Virgílio e Homero na Grécia antiga, que acabou sendo o modelo do gênero e se perpetuou no seio cristão, onde teve os seus poetas plagiadores. Ambos têm o fogo material por base de tormento, porém, como sempre, a mitologia cristã exagerou na imagem do inferno. Se os pagãos tinham como suplícios individuais os tonéis das Danaides, a roda de Íxion e o rochedo de Sísifo, os cristãos têm para todos, sem distinção, as caldeiras ferventes. Kardec comenta um sermão pregado em Montpillier em 1860, em que o sacerdote citou: “caldeiras que os anjos levantam o tampo para assistirem os tormentos dos condenados sem remissão e Deus ouve-lhes os gemidos para toda a eternidade”.
As tradições de diversos povos registram a crença em castigos para os maus e recompensa para os bons na vida além-túmulo, de conformidade com suas obras durante a vida terrena. Todavia, a tese que se fundamenta na existência de um inferno e na eternidade das penas não resiste àanálise objetiva. O fogo eterno é somente uma figura de que o homem se utilizou para materializar a ideia do inferno, por considerar o fogo o suplício mais atroz e mais efetivo para punir almas pecadoras. O homem do século XXI não vê sentido lógico nessa tese.
Jesus Se utilizou da figura do inferno e do fogo eterno para Se colocar ao alcance da compreensão dos homens daquela época. Valeu-Se de imagens fortes para impressionar a imaginação de homens que pouco entendiam sobre coisas do espírito. Em muitas outras oportunidades, Ele enfatizou que o Pai é misericordioso e bom, e que todos que Deus Lhe confiara, nenhum se perderia.
A Justiça Divina não se manifesta para punir, mas para redirecionar ao bem aquele que se desviou do caminho reto. Deus criou os seres para que progridam, continuamente. Essa evolução se produz pelas diversas experiências, boas e más, e o que nos serve de consolação é saber que o sofrimento não é eterno, como o mal também não é.
No Universo de Deus não há lugar reservado para o inferno eterno, muito menos para o inferno em chamas. André Luiz nos fala, sim, sobre o Umbral, onde vivem seres inferiores em evolução, mas que esse lugar não se assemelha ao inferno na tradicional acepção teológica. No Umbral, os seres que lá se agrupam estão sujeitos também à lei do progresso, pois graças aos mecanismos da reencarnação, todos vão se ajustando gradualmente às Leis de Deus.
Tornando a citar o empenho do brioso papa, lembremos que ele já revelou outras opiniões polêmicas que a própria Cúria logo desmentiu. As afirmações que citamos acima atribuídas a ele, parece que foram inventadas de forma satírica, o que não invalida a abordagem da temática sob o enfoque espírita.
Papas progressistas sempre foram problemas para o Vaticano. Na obra A Caminho da Luz Emmanuel narra sobre o papa Clemente XIV, quando tentou extinguir a Companhia de Jesus, em 1773, com o seu breve “Dominus ac Redemptor”. Exclamava desolado:” “Assino minha sentença de morte, mas obedeço à minha consciência”. Com efeito, em setembro de 1774, o grande pontífice entregava a alma a Deus, em meio dos mais horrorosos padecimentos, vitimado por um veneno que lhe apodreceu lentamente o corpo.” (6)
Estão muito nítidas as ameaças contra Francisco e não é à toa que ele tem implorado orações para sua alma, seguramente por ter consciência de que é “UM ESTRANHO NO NINHO”, e está sob a mira de uma falange de chefes das trevas (encarnados e desencarnados) que estão engendrando fórmulas letais (peçonhas) para expulsá-lo do corpo físico, trucidá-lo, precisamente como fizeram com os papas Clemente XIV e João Paulo I. Alguém duvida? Oremos pois, pelo papa mais inteligente da história da igreja romana.
Jorge Hessen
(*)  Boff explica no “Jornal do Comércio” de 24 março de 2014  link  http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=157392
J.C.  Que avaliação o senhor faz do Papa Francisco?  
Leonardo Boff – O Papa Francisco está restituindo o rosto humano da Igreja, está cobrando uma nova postura dos católicos. Somos herdeiros de dois pontificados que viam a Igreja como um castelo fechado que lutava contra a modernidade. Este Papa está dizendo que a Igreja é uma casa aberta: quem está dentro sai e quem está fora entra; não tem nenhum guarda para cobrar pedágio, não importa se a pessoa está moralmente abalada, se está casada, se crê ou não crê nos dogmas… Ele diz que, se é pessoa humana, tem que ser acolhida. Isso é revolucionário. Ele volta ao cristianismo das origens. E é justamente esse cristianismo que atrai as pessoas, porque é humano. A maior revolução dele não foi fazer a reforma da cúria, foi fazer a reforma do papado. Normalmente, o papado já tem um figurino pronto e, se você é eleito, entra no figurino, tornando-se um símbolo de poder, chefe de Estado… Mas o Papa Francisco obrigou o papado a assumir o figurino dele: um Papa que mora na casa de hóspedes e que come na fila do refeitório. Ele não se autointitula Papa, chama a si mesmo de bispo de Roma, e diz que ele e todos os padres têm que estar no meio do povo. É um Papa que não quer o poder e não se sente chefe de Estado. Também não quer governar de forma monárquica, quer fazê-lo com um grupo de cardeais. Insinuou inclusive que vai incluir mulheres na tomada de decisões da Igreja. Isso é absolutamente inédito. Talvez, só um Papa do fim do mundo, e não da velha cristandade europeia, tivesse coragem de dizer essas coisas. Este Papa é a expressão latino-americana do cristianismo. Então, a importância dele não é só religiosa, é fundamentalmente política.
Referências:
(1) Foi recentemente nomeado o “Homem do Ano” pela revista “TIME”
(2) Tradução livre do site espanhol “Mundo História”, conforme link http://www.mundohistoria.org/temas_foro/religi-n-filosofia-pensamiento/no-hay-fuego-infierno-ad-n-eva-no-son-reales-expone-papa-f acesso 04/02/2014
(3) Idem
(4) Idem
(5) Idem
(6) Xavier, Francisco Cândido. A Caminho da Luz, ditado pelo Espírito Emmanuel, cap. XX, Publicação original em 1939 pela: Editora FEB ,www.febnet.org.br, Versão digital em 2011 – Brasil , acesso em 4/02/2014

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

ALGUNS EXEMPLOS DE AUTO-SUPERAÇÃO NUMA BREVE HOMENAGEM A JERÔNIMO MENDONÇA


Jorge Hessen
http://aluznamente.com.br

Assisti ao vídeo contido no link  http://youtu.be/Zpu0-eI5Y2o e fiquei maravilhado. Constatei que há pessoas admiráveis que, embora portadoras de graves entraves físicos, amam viver a vida em plenitude e superam obstáculos que desafiam a própria razão. Li reportagem sobre Fernando Xavier, uma dessas criaturas extraordinárias. Ele sofre de esclerose lateral amiotrófica - “ELA”, também conhecida por doença de “Lou Gehrig” ou mal de “Charcot”. Uma patologia neurodegenerativa progressiva (1). À medida que a moléstia progride, geralmente depois da perda das habilidades de locomoção, fala e deglutição, se não houver tratamento imediato, o doente desencarna em pouco tempo, devido a incapacidade respiratória advinda pela atrofia dos músculos associados à respiração. A expectativa de vida varia de indivíduo para indivíduo, mas em termos estatísticos, mais de 60% dos doentes só sobrevivem entre 2 a 5 anos (2).
Contam os especialistas que os portadores da “ELA” são pessoas especiais e apaixonantes, buscam esclarecimento e novas possibilidades de tratamento para a doença, e, sobretudo, lutam constantemente para sobreviver. Para corroborar essa verdade, quatro anos atrás, Xavier foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital de Ariquemes, no estado de Rondônia. Desde sua internação fala de Deus, de amor e de otimismo nas suas construções poéticas (escritas com auxílio de uma cuidadora), pronunciando que adora viver ao que chama de “vida maravilhosa” e que é plenamente feliz no hospital (3).
Recordo o austero físico britânico Stephen (William) Hawking, talvez um doente nem tão otimista quanto Xavier, porém é considerado um dos mais brilhantes cientistas do século 20. Ajudou a entender a origem do universo, a função dos “buracos negros” e, de quebra, escreveu as 262 páginas do maior best-seller da ciência para leigos: “Uma Breve História do Tempo”. Conseguiu tal façanha sem poder mover o corpo. Aos 21 anos foi diagnosticado com “ELA”. Os médicos lhe deram 2 anos de vida. A doença afetou a fala, cada vez mais desarticulada, entretanto ele conseguia se comunicar. Ditou à secretária o rascunho do livro em 1984.
Em 1985, porém, Hawking teve uma pneumonia grave e precisou fazer uma traqueostomia de emergência, o que o levou a perder definitivamente a voz. Mudo e quase todo paralisado, passou a levantar uma sobrancelha quando alguém apontava para letras. Mais tarde adotou o software Equalizer, que permite escrever frases selecionando palavras de um menu com um movimento sutil da bochecha. Por fim, um sintetizador de voz instalado com o Equalizer trouxe de volta a fala (eletrônica). Hawking ocupou a cadeira de Isaac Newton na Universidade de Cambridge até 2009, comunicando-se apenas com imperceptível movimento da bochecha.
Nestas reflexões surgiu-me à mente a personalidade de Antônio Francisco Lisboa, "o aleijadinho", vítima de uma hanseníase deformante, mas isso não o impediu de insculpir diante da Igreja do Santuário do Senhor do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo/MG, 66 estátuas da via Crucis, em cedro-rosa e 12 estátuas dos profetas, em pedra-sabão, entre outras obras-primas do barroco brasileiro.
Não poderia deixar de citar Helen Adams Keller, uma das dez mulheres mais importantes dos EUA. Keller era escritora e conferencista norte-americana. Nasceu cega, surda e muda e tornou-se um símbolo de tenacidade na superação de suas próprias deficiências. Aos 6 anos passou a ser orientada por Anne Sullivan (jovem irlandesa de 21 anos de idade, recém-formada pela Escola de Cegos Perkins, de Boston/EUA). A menina Helen e a jovem Anne, ambas com perseverança ímpar, realizaram um prodígio: graças à tenacidade fraternal de Sullivan, Helen aprendeu a ler, escrever e pronunciar palavras, diplomando-se em humanidades, com louvor, no Radcliffe College, de Cambridge/EUA, em 1904.
Nos termos desses argumentos, invoco o sobre-humano vulto de Jerônimo Mendonça Ribeiro, um orador e escritor espírita de primeira linha. Mesmo encarcerado numa cama ortopédica (era tetraplégico e totalmente cego), trabalhava duramente pela difusão do Espiritismo. Sua via crucis começou aos 17 anos, quando foi acometido por uma artrite reumatoide deformante. Aos 19 passou a usar muletas e, sem encontrar um tratamento médico possível, foi gradualmente impelido para cadeira de rodas e posteriormente sentenciado para uma cama ortopédica (penitenciária móvel). Como se não bastasse, ele teve problemas cardiológicos. Apesar das grandes dificuldades, sempre mantinha o bom ânimo e dava conselhos a milhares de espíritas que o visitavam para rogar ajuda.
Deitado no leito ortopédico, depois de perder o movimento das pernas, dos braços e a visão, Jerônimo Mendonça, criou uma gráfica, escreveu 5 livros, gravou 2 LPs e em 1983 fundou algumas instituições espíritas com destaque para o Lar Espírita Pouso do Amanhecer, que atende desde então 200 crianças carentes diariamente.
Certa vez um repórter lhe perguntou o que é a felicidade. Ele respondeu: “a felicidade, para mim, deitado há tanto tempo nesta cama sem poder me mexer, seria poder virar de lado”. Jerônimo sempre com bom humor dizia: “Casei-me com a Doutrina Espírita no civil e com a dor no religioso, (...) Nesta batalha [contra a doença] é preciso lutar e vencer, jamais ser vencido. Enquanto me ferem os grilhões, liberto-me do homem velho que fui, antevendo horizontes inatingidos (...) Onde a mestra dor dar-me-á a alforria merecida”.
Ganhou de um grande amigo espírita uma Kombi, a fim de que pudesse ser conduzido às conferências que realizava. Não seria demasia dizer que ele conseguiu transformar seu “leito-prisão” numa espécie de tribuna ambulante. Percorreu todo o país, e por meio dela conseguiu realizar valiosos trabalhos. Sua voz sempre bem postada, seu ânimo inquebrantável, apesar das dores que sentia em função de problemas cardíacos e da própria paralisia total dos membros, fizeram-no conhecido como “O Gigante Deitado”, respeitado, querido e sempre requisitado para importantes eventos espíritas.
Em razão das  diversas viagens que fez para divulgar a Terceira Revelação, Jerônimo segredou gostosamente:
"- Minha mãe é uma mulher analfabeta de 82 anos, mas de Espírito muito inteligente. Ela chegou perto de mim e disse: - Você vai viajar outra vez? - Eu disse: Sim.
- Meu filho, eu não entendo. Estou quase acreditando nesta reencarnação (ela não era Espírita) de que você tanto fala.
- Falei: Por quê, mãe?
- Eu não tenho 9 filhos? - Tem.
- Dos 9 você não é o único paralítico? - Sou.
- Pois é... e é o único que não para em casa!
- Falei: - mãe!! Mas eu não posso ser paralítico da alma! Paralítico do corpo é uma coisa, porém a mais terrível paralisia é a paralisia da alma. É a alma que se sente inútil dentro da vida..."
A cama ortopédica era a sua cruz e a dor, a sua companheira inseparável; todavia, em Jesus ele encontrou o conforto e o melhor exemplo que seguiu a vida inteira. Muitas vezes a pressão arterial e a frequência cardíaca, em momentos de crise, não conseguiam ser medidos pelos esfigmomanômetros, tal a sua fragilidade. E imaginar que Jerônimo Mendonça jamais parou de viajar, trabalhar, agir. Seu lema era “Não perder a calma jamais”.
Jerônimo permaneceu tetraplégico e cego por mais de trinta anos consecutivos, preso ao leito-prisão até o seu desencarne, ocorrido em novembro de 1989. Na sua desencarnação um fato bastante intrigante aconteceu durante o velório. Sabemos que o leito em que viveu deitado por mais de 30 anos era uma cama adaptada com várias dobras, pois as suas pernas não podiam ficar abaixadas. Quando seu corpo estava na funerária os funcionários quiseram serrar as pernas curvadas do “Gigante Deitado” para esticá-las, pois não havia ataúde apropriado. Foi um episódio chocante e a cidade de Ituiutaba inteira se movimentou contra a decisão. Ao final a funerária teve que confeccionar um esquife adaptado para aquele corpo disforme, que foi templo de uma das mais belas almas do Universo.


Referências:
(1)            A “ELA” não compromete o raciocínio intelectual, a visão, a audição, o paladar, o olfato e o tato.
(2)            É preciso que o paciente a partir de um determinado estágio da doença, seja acompanhado de perto por outra pessoa em função da incapacidade de executar as suas tarefas rotineiras. Como a doença não afeta as suas capacidades intelectuais, o paciente percebe tudo que acontece a sua volta, vivencia, por isso, lucidamente a doença e a sua progressão, havendo porém dificuldades de comunicação com outras pessoas, caso já exista comprometimento dos músculos da fala.
(3)            Disponível em http://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2013/11/sou-feliz-diz-paciente-que-ha-quatro-anos-vive-em-uti-de-hospital-em-ro.html   acesso em 01/02/2014

KARDEC PONTO COM ENTREVISTA JORGE HESSEN


KARDEC PONTO COM ENTREVISTA JORGE HESSEN
“Brasília, lamentavelmente, tem sido o laboratório de observações onde constatamos os mais inquietantes procedimentos de prática doutrinária.
Confiamos, porém, que essa panorâmica modifique-se para melhor. Acreditamos que sob a liderança do confrade Paulo Maia, atual presidente da Federação Espírita do Distrito Federal, o vagão doutrinário possa deslizar sobre os trilhos seguros, rumo à estação do bom senso.”




 KPC - O movimento espírita, em razão de sua missão, tem compromisso com a própria comunidade e com a sociedade em geral. Ele vem cumprindo bem essa missão?

 JORGE HESSEN - Para o movimento cumprir a sua tarefa sócio-doutrinária, urge a difusão do Espiritismo na sua demonstração mais simples e isso tem sido um desafio. Pairam o egocentrismo, a idolatria e glorificação em torno de médiuns e oradores “carismáticos”.
Obviamente essa postura ingênua desdoura a proposta dos Espíritos. É forçoso, pois, esquadrinhar a lógica e compatibilidade da difusão espírita com base na Codificação. Não se justifica o movimento espírita endeusar e sacralizar médiuns e oradores.


 KPC - O caráter dialético e científico do Espiritismo, a nosso ver, sugere uma constante discussão dos seus métodos e até mesmo dos ensinamentos doutrinários. Por que deixaram de discutir a dinâmica da Doutrina dos Espíritos sob alegação de que toda a sua metodologia está pronta e acabada?

 JORGE HESSEN - Concordamos. O Espiritismo é um compêndio de revelações composto de conceitos evolucionistas. Não se concebe o conhecimento doutrinário estacionado no tempo. Sua metodologia filosófica é de natureza dialética e se fundamenta na experiência (mediúnica).
Entretanto, não esqueçamos que a metodologia “científica” espírita transcende aos métodos experimentais empregados pelos cânones da ciência academista. O universo espiritual é matéria interdita nos intramuros acadêmicos. Os cientistas estão presos nas grilhetas dos interesses utilitários.
O homem de ciência não “perde” tempo na caça dos elos perdidos da reencarnação, da imortalidade, da comunicabilidade dos “defuntos”


 KPC - Como o senhor analisa o atual sistema federativo e a sua contribuição para a unificação do ideal espírita?

 JORGE HESSEN - O modelo federativo atual foi consubstanciado há mais de 60 anos, através do “Pacto Áureo” junto à Federação Espírita Brasileira, graças ao esforço e liderança de confrades do quilate moral de um Leopoldo Machado, um Lins de Vasconcellos, dentre outros.
Contudo, a contemporânea massificação da informação espírita tem provocado trágicas deformidades e prejuízos nas características simples da mensagem e do exercício do Evangelho. Há os que desvalorizam as ações dos órgãos de unificação, conferindo-lhes caráter puramente administrativo, burocrático, com precário sentido prático.
Talvez, em face dos dirigentes comprometidos com órgãos “unificadores” não compreenderem que o Espiritismo veio para o povo e com ele conversar. Por essa razão, recomendamos a tais dirigentes federativos o primado da simplicidade doutrinária, a fim de se evitar tudo aquilo que lembre castas, discriminações, evidências individuais, privilégios injustificáveis, imunidades ou prioridades.


 KPC - Fala-se muito em “pureza doutrinária” dos ensinamentos espíritas. Em que consiste realmente essa pureza?

 JORGE HESSEN - O termo “pureza doutrinária” só é aplicável ao movimento espírita, posto que aí se consolida (na prática) a teoria, a experiência e o emprego que se faz dos conceitos doutrinários na vida dos espíritas. “Pureza doutrinária nada mais é do que a observância dos métodos, rigores, teorias e padrões científicos no trabalho de investigação e incremento de novas informações!
A confusão deriva do conceito de “pureza doutrinária” como artifício de estagnação.
A programação espírita não abriga “novidades” antes de se averiguar todos os seus juízos críticos de validade. A inclusão de novas informações e conhecimentos ao Espiritismo deve passar pelo crivo da razão e, quando, possível, da demonstração.
Não será aceitando, sem discernimento e lógica, opiniões esotéricas, métodos pseudocientíficos e inovações estranhas de todo o tipo que o Espiritismo vai se desenvolve.


 KPC - Como está o movimento espírita no Distrito Federal?

 JORGE HESSEN - Brasília, lamentavelmente, tem sido o laboratório de observações onde constatamos os mais inquietantes procedimentos de prática doutrinária. Confiamos, porém, que essa panorâmica modifique-se para melhor.
Acreditamos que sob a liderança do confrade Paulo Maia, atual presidente da Federação Espírita do Distrito Federal, o vagão doutrinário possa deslizar sobre os trilhos seguros, rumo à estação do bom senso.


 KPC - O que a Confederação Espírita Pan-Americana tem a oferecer ao movimento brasileiro para uma melhor compreensão do pensamento kardequiano?

 JORGE HESSEN - Admitimos ignorância sobre os embasamentos programáticos da CEPA, portanto, não conseguiríamos tecer comentários sobre seus desígnios.


 KPC - Há realmente necessidade de se criar instituições de estudos e pesquisas para desenvolver o aspecto científico do Espiritismo?

 JORGE HESSEN - Nas atuais hostes espíritas não conseguimos divisar esse imperativo. Não obstante, acatar os frutos das pesquisas realizadas pelos saudosos e prodigiosos Hernani T. Santana e Hermínio Miranda, cremos que os admiráveis métodos científicos permaneceram em grande monta adstritos ao século 19.
Apesar do avanço do saber quântico nas academias, as pesquisas espíritas e metapsíquicas do passado, mormente na área dos efeitos físicos, são atualíssmas, satisfatórias e carecem ser melhores aproveitados para nossa reforma íntima, a fim de que futuramente façamos jus a novas informações do além.


 KPC - Suas considerações finais, com o nosso sincero agradecimento.

 JORGE HESSEN - Foi uma honra corresponder-me com os editores e leitores da gazeta digital Kardec Ponto Com. As ponderações finais são de proposta aos espíritas para que não desconsideremos o momento de comprovada transição global que estamos passando, que é o período, segundo Emmanuel em “A Caminho da Luz”, de avaliação e seleção dos valores morais. Portanto, uma estação bastante grave, porque temos os compromissos individuais e pactos coletivos.
Com relação aos responsáveis pela condução do movimento espírita espírita, é muito importante avisar que a tarefa deve ser alicerçada no propósito de legítima união de corações, tendo como meta a “benevolência com todos, indulgência com as imperfeições dos outros, perdão das ofensas”, segundo anota O Livro dos Espíritos, na questão 886.

João Pessoa (PB), Janeiro de 2014.
Carlos Antônio de Barros,
Jornalista responsável e secretário de redação.
DRT-PB / FENAJ 1938 - API 2290