Jorge Hessen
O Livro dos Espíritos é originário da revelação dos Espíritos por meio da comunicação mediúnica através da “cesta de bico” [1] e posteriormente da “cesta-pião”.[2] Buscando a melhoria do processo, Allan Kardec estudou maneiras mais apropriadas para obtenção de informações do “além-tumulo”. Contando com a colaboração das médiuns Ruth Celine Japhet, Aline Carlotti, Caroline Baudin, Julie Baudin e Ermance Dufaux, que estavam à sua disposição, descobriu o mecanismo da psicografia que consistia na influência direta do Espírito sobre o médium, controlando determinadas zonas cerebrais através do perispírito para que a Entidade pudesse controlar a sua mão e reproduzir a escrita manual.
Henri Sausse, Zeus Wantuil, Ann Blackwell, principais biógrafos de Allan Kardec, afirmaram que a ideia de um livro de perguntas e respostas, bem como algumas perguntas, foram originárias de 50 cadernos fornecidos por um grupo de maçons, entre eles Victorien Sardou, Pierre-Paul Didier (e seu filho), Tiedeman-Manthèse, e René Taillandier. Tais pessoas já realizavam pesquisas mediúnicas, porém não conseguiram alcançar a plena dimensão desse trabalho, e por isso deliberaram entregar os manuscritos ao professor Rivail, que constatou naqueles calhamaços profundas revelações que deveriam ser divulgadas.
Com efeito, em 18 de abril de 1857, o famoso "filho de Lyon" publicou a 1ª edição de “O Livro dos Espíritos” dividido em três partes, composto de 501 questionários. Em 1860, lançou a 2ª edição, dessa vez inteiramente refundido e admiravelmente acrescido para 1019 perguntas, divididas em quatro partes a saber: Causas primárias, Mundo dos espíritos, Lei morais e Esperanças e consolações. Esta edição foi publicada pelo editor Paul Didier e se esgotou em apenas 4 meses. De cada parte do Livro dos Espíritos, Allan Kardec desdobrou os temas resultando nas Obras básicas da Codificação. Observemos o seguinte: da primeira parte - “Causas primárias” – distribuída em quatro capítulos e 75 questões, gerou a obra A Gênese. Da segunda parte – “O mundo dos espíritos” – distribuída em onze capítulos e 537 perguntas, surgiu O livro dos Médiuns. Da terceira parte – “Leis morais” – distribuída em nove capítulos e 308 interrogações, nasceu o Evangelho Segundo Espiritismo e finalmente da quarta parte – “Esperanças e consolações” – distribuída em dois capítulos e 99 perguntas, resultou O Céu e o Inferno ou “A Justiça Divina Segundo o Espiritismo”.
A Codificação Espírita consubstanciou-se a fim de enfrentar os alvoroços provocados pelas desordens ideológicas do Século XIX e germina no centro cultural do mundo ocidental. Foi publicado portanto em meio a uma torrente de filosofias que induzia o homem ao pessimismo, ao ceptismo e ao niilismos. Surgiu no mesmo ano em que desencarnou o controvertido Augusto Conte, mentor do pensamento positivista, bastante em voga entre a elite intelectual da época. Surgiu no meio dos embates da dialética dividida nesse momento em duas fases nesse – antes e depois do filósofo alemão Hegel – contestador da dialética socrática.
Com a desencarnação de Hegel surgiram duas correntes hegelianas, a ortodoxa (de “direita”) e a socialista (de “esquerda”), esta última representada principalmente por Engel e Marx, culminando no materialismo histórico. Politicamente, os “direitistas” hegelianos veiculavam o argumento conservador, colocando o Estado como personificação da ética, aparecendo no fascismo na Itália, no nazifascismo na Alemanha e integralismo no Brasil.
Os “esquerdistas” submeteram o cristianismo a severas críticas, lideradas por Karl Marx, estendendo-se para a vida social. Em 31 de março de 1848, quando o Espírito do ex-mascate Charles Rosman assinalava novos horizontes em Hysdesville, nos EUA, o impaciente Marx publicava em Bruxelas, por ocasião do Segundo Congresso da Liga Comunista, o famigerado “Manifesto Comunista”, conclamando a união dos “proletários” da Terra.
O rusguento autor de “O Capital”, sedento de “liberdade”, defendia fortemente a tese de que a solução das questões econômicas do mundo seriam através do arrogante socialismo “científico”, dando asas para o materialismo e/ou comunismo ateu. Em sua feroz indignação contra a superestrutura do cristianismo, Marx vociferava que o “a religião era o ópio do povo”, uma autêntica emanação do “bicho-papão” (capitalismo).
Ainda naqueles idos de 1859 era lançado o livro que estava destinado a abalar os alicerces da ideia da origem biológica do homem e dos seres da natureza. O britânico Charles Darwin entra para a história com o livro intitulado “A origem da vida pela seleção natural das espécies”. Contudo, desde o seu lançamento, O Livro dos Espíritos permanece inabalável. Já decorreram 158 anos e o Espiritismo conserva-se moderno e insuperável nos seus princípios.
A Doutrina dos Espíritos está alicerçada nos princípios da existência de Deus, da existência e sobrevivência do Espírito, nas leis morais, na reencarnação, na pluralidade dos mundos habitados, na comunicabilidade dos Espíritos. Não trata de ocultismos, não prescreve práticas adivinhatórias, não tem em suas páginas propostas sacramentais, ritos, nem liturgias. É uma doutrina de base científica, filosófica e religiosa. Seus argumentos, marchando passo a passo com o progresso, jamais serão ultrapassados. Se novas descobertas demonstrarem estar em erro sobre um dos seus pontos, o Espiritismo se renderá modificando esse ponto suspeito. Se uma verdade vier a ser revelada ele a incorporara.
Um dos sinais de vitalidade do Espiritismo é a sua sintonia com o tempo, e isso se reflete nos grupos acadêmicos de pesquisa sobre os preceitos doutrinários. Nas universidades há um crescente interesse pela literatura espírita, mormente especialistas de área de física quântica, matemática, psicologia, medicina, sociología e história. O fato de se encontrar estudiosos espíritas entre doutores das principais universidades brasileiras é uma prova evidente de que o Espiritismo se firmou como doutrina numa parcela influente do país.
Notas:
[1] Consiste em adaptar-se à cesta uma haste de madeira (15 cm) inclinada. Por um buraco aberto na extremidade dessa haste, ou bico, passa-se um lápis bastante comprido para que sua ponta assente no papel. Pondo o médium os dedos na borda da cesta, o aparelho todo se agita e o lápis escreve. Obtém-se assim dissertações de muitas páginas
[2] É uma cestinha de quinze a vinte centímetros de diâmetro (de madeira ou de vime). Onde adapta-se um lápis. O movimento da cesta não é automático, como no caso das mesas girantes; torna-se inteligente. Com esse dispositivo, o lápis, sempre ao chegar à extremidade da linha, não volta ao ponto de partida para começar outra, continua a mover-se circularmente, de sorte que a linha escrita forma uma espiral, tornando necessário voltear muitas vezes o papel para se ler o que está grafado.