terça-feira, 26 de maio de 2015

A DOR É EFEITO DE NOSSAS AÇÕES, PORTANTO NÃO EMANA DE DEUS (Jorge Hessen)

Jorge Hessen

Se compreendêssemos melhor os mecanismos da Lei de ação e reação evitaríamos infortúnios, ambições e desonras que, definitivamente, não estariam em nosso roteiro, seríamos mais comedidos nas ações diárias. Precisamos refletir a Lei de causa e efeito com o máximo discernimento, a fim de nos conscientizarmos sobre a sua imposição rígida e fatal, que desfere tanto reparações chocantes, quanto gratificações surpreendentes, sempre, justas, judiciosas e controladas, as quais expressam a resposta da Natureza, ou da Criação, contra a desarmonia constituída ou submissões aos códigos divinos em seus suaves aspectos.

“Quão severa e temível é a lei que rege os destinos da Criação! Os homens terrenos precisam ser avisados destas impressionantes verdades, a fim de que melhor se conduzam durante as obrigatórias travessias das existências.”[1] A Lei de ação e reação ou causa e consequência também popularizada como Lei do “carma” [2], conhecida desde às civilizações mais antigas. 

Ninguém está sujeito ao império aleatório do “acaso”, pois este não existe. A casualidade não tem espaços nos dicionários espíritas, portanto não traz poder capaz de reger nossos destinos. É a Lei do “carma”, Lei de “causa e efeito” ou a Providência divina, que tudo ordena, corrige e atua, interferido tanto nas dimensões infinitesimais do microcosmo, como na imensidade colossal do macro universo. Tal divino ditame objetiva exclusivamente administrar o aprimoramento incessante de todas as coisas e seres que estruturam a harmonia da Lei do Criador.

A Lei de causa e efeito tonifica a contabilidade divina com o seu saldo credor ou devedor para conosco. Os altivos regulamentos do Pai demonstram que “a semeadura é livre, mas a colheita obrigatória”, e “a cada um será dado conforme as suas obras”, portanto, não permitem exceções a ninguém, mas ajustam as criaturas à disciplina individual e coletiva, tão necessárias ao equilíbrio e harmonia da Humanidade.

O principal meio de modificar para melhor o chamado “carma” ou conta do destino criada por nós mesmos reside no controle dos nossos desejos, pensamentos, palavras e ações, pois, à medida que nos melhorarmos, reduziremos ou modificaremos os débitos do passado e criaremos um novo “carma” para o futuro.

Sofremos após a desencarnação os resultados de todas as imperfeições que não conseguimos corrigir na vida física. A Lei divina institui que felicidade e desdita sejam reflexos naturais do grau de pureza ou impureza moral. A completa felicidade reflete a purificação completa do Espírito, enquanto a imperfeição causa sofrimento e privação de alegria. Portanto, toda perfeição alcançada é fonte de gozo e atenuante de sofrimentos. 

Pela justiça de Deus sofremos não apenas pelo mal que fizemos mas pelo bem que deixamos de fazer seja na Terra ou no Além-túmulo. O sofrimento (expiação) varia segundo a natureza e gravidade da falta, podendo a mesma falta produzir expiações distintas, segundo as circunstâncias, atenuantes ou agravantes, em que for cometida. Para a Codificação espírita não há regra absoluta nem uniforme quanto à natureza e duração da penalidade: - a única lei geral é que toda falta terá punição, e todo ato meritório terá gratificação, segundo o seu valor. 

Em face do livre arbítrio somos sempre juízes do próprio destino, podendo delongar os sofrimentos pela persistência no mal, ou atenuá-lo e até anulá-los pela prática do bem. Um dos mecanismos que suavizam o sofrimento é a contrição. Entretanto não nos basta o arrependimento, pois são imprescindíveis a expiação e a reparação. Allan Kardec explana o seguinte: “arrependimento, expiação e reparação constituem as três condições necessárias para aplacar os traços de uma falta e suas implicações. O arrependimento suaviza os amargores da expiação, abrindo pela esperança o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito distraindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão seria uma graça, não uma anulação.”[3] 

O arrependimento pode dar-se por toda parte e em qualquer tempo; se for tarde, porém, o culpado sofre por mais tempo. Até que os últimos vestígios da falta desapareçam, a expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais que lhe são consequentes, seja na vida atual, seja na vida espiritual após a morte, ou ainda em nova existência corporal. A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito o mal. Em que pese a diversidade de gêneros e graus de sofrimentos dos Espíritos imperfeitos, a Lei de Deus estabelece que o sofrimento seja inerente à imperfeição. 

Toda imperfeição, assim como toda falta dela decorrente, traz consigo a própria punição nas consequências naturais e inevitáveis. Assim, a moléstia pune os excessos e da ociosidade nasce o tédio, sem que haja mister de uma condenação especial para cada falta ou indivíduo. Podendo todo homem libertar-se das imperfeições por efeito da vontade, pode igualmente anular os males consecutivos e assegurar a futura felicidade. A cada um segundo as suas obras, no Céu como na Terra: - tal é a lei da Justiça Divina. [4]

Referências bibliográficas:

[1] Pereira, Ivone. Dramas da Obsessão, ditado pelo espírito Bezerra de Menezes, RJ: Ed. FEB, 2004

[2] Expressão hinduísta exprimindo o efeito que nossas ações geram no futuro (tanto nesta como em outras encarnações) 

[3] Kardec, Allan. O Céu e o Inferno, As penas futuras segundo o espiritismo, seção: código penal da vida futura, RJ: Ed. FEB 1977

[4] Idem

segunda-feira, 18 de maio de 2015

ENTREVISTA COM O PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA


A Federação Espírita Brasileira (FEB) elegeu no dia 21 de março de 2015 o novo presidente, trata-se do companheiro Jorge Godinho Barreto Nery(foto), membro efetivo do Conselho Superior da instituição.
Jorge Godinho presidiu o Centro Espírita Léon Denis, no Rio de Janeiro, na década de 1970. Profissionalmente, serviu por 48 anos à Força Aérea Brasileira (FAB), em que atingiu o posto de Tenente Brigadeiro, atualmente na reserva.
O presidente eleito discorre sobre vários assuntos, alguns deles claramente polêmicos(*), conforme a entrevista abaixo publicada NA ÍNTEGRA.



Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Os princípios institucionalizados (burocratizados) da Unificação inibem o ideário da “UNIÃO” espontânea entre os espíritas? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - O ideário da União, como afirmado, é espontâneo,  ou seja, é opção da livre determinação do ser humano, especificamente, dos espíritas. Desta forma, cada um de nós expressamos este sentimento por opção, mas Jesus, nosso Mestre e Guia, convida aos que desejam ser seus discípulos à prática desse ideário da UNIÃO, quando nos recomenda: “Meus discípulos serão reconhecidos por muito se amarem.” Se auguramos ser discípulos do Cristo, então, o ideário de “UNIÃO” será mantido em qualquer circunstância.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - O modelo federativo é importante, porém boa parte dos dirigentes de casas espíritas nem sempre valorizam as ações dos órgãos de Unificação, atribuindo-lhes caráter meramente administrativo, burocrático, com pouco sentido prático. Considerando a sua experiência doutrinária, quais as ações que pretende desenvolver para aproximar a FEB das casas Espíritas?

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Antes, ressalto que a organização federativa não é só importante, é o programa ideal da Doutrina Espírita no Brasil. É para a grande obra de unificação que a FEB envida todos os seus esforços, objetivando a vitória de Ismael nos corações. Entretanto, respeitando a livre determinação individual, procuraremos sempre atenuar o vigor das dissensões esterilizadoras, para nos unirmos na tarefa impessoal e comum de educar o pensamento do homem no Evangelho. 

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - O “Pacto Áureo” ainda pode ser avaliado como o grande marco da Unificação? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - É o Pacto Áureo a expressão mais lúcida de entendimento e concórdia entre  os espíritas, que podem divergir nas discussões das ideias, mas que não devem fazer da divergência motivo de discórdia, intolerância e incompreensão. O Pacto Áureo veio compatibilizar a vivência da Doutrina dentro do princípio da liberdade, sem jamais deixar de considerar o amor fraterno, a união e a Unificação. Ele foi e será sempre o grande marco da Unificação que consolidou os esforços iniciais de Bezerra de Menezes.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - O livro inspirador do “Pacto” -“Brasil coração do mundo...” conseguirá “UNIR” o Movimento Espírita Brasileiro ? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - O Livro “Brasil coração do mundo, pátria do evangelho” veio esclarecer as origens remotas da formação da Pátria do Evangelho com informações colhidas nas tradições do mundo espiritual e se destina a explicar a missão do Brasil no mundo moderno. Dessa forma, quando folheamos suas belas páginas e verificamos que o Brasil está destinado a suprir as necessidades materiais dos povos mais pobres do planeta e a facultar ao mundo inteiro uma expressão consoladora de crença e fé raciocinada fica a dedução lógica de que essa tarefa não pode ser uma obra individual ou de personalismos incabíveis, mas daqueles que se propõem a estarem unidos e unificados no Evangelho do Senhor. (*)

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Quais os grandes desafios vistos para o Movimento Espírita Brasileiro? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Consolidar a manutenção da União e da fraternidade.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Diante da clara divisão que existe no Movimento Espírita, muitas vezes manifestada em posturas emocionalizadas e radicais, como a FEB deve conduzir objetiva  e publicamente o tema Roustaing? Que iniciativas faltam para apaziguar ânimos? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Não devemos esquecer que no Capítulo 22 do Livro “Brasil Coração do mundo pátria do evangelho”,  o espírito Humberto de Campos narra que Jesus destacou um dos Seus grandes discípulos, Allan Kardec, para vir à Terra com a tarefa de organizar e compilar ensinamentos que seriam revelados, oferecendo um método de observação a todos os estudiosos do tempo e que o grande missionário, no seu maravilhoso esforço de síntese, contaria com a cooperação de uma plêiade de auxiliares da sua obra, designados particularmente para coadjuvá-lo, nas individualidades de João Batista Roustaing, que organizaria o trabalho da fé; de Léon Denis, que efetuaria o desdobramento filosófico; de Gabriel Delanne, que apresentaria a estrada científica e de Camille Flammarion, que abriria a cortina dos mundos, desenhando as maravilhas das paisagens celestes, cooperando assim na codificação kardeciana no Velho Mundo e dilatando-a com os necessários complementos. (*)

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - As obras de Roustaing permanecerão sendo republicadas? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Sim. Jamais a FEB deixou de publica-las, desde a sua primeira edição. Não podemos olvidar que Allan Kardec, dentro da lucidez e do espírito de grandeza que o caracterizam afirmou: proibir a leitura de um livro é dar mostras de que o tememos. A Doutrina Espírita é, por natureza, a doutrina da liberdade, da livre-escolha, nada impõe, nada proíbe. O apóstolo Paulo já recomendava em seu tempo: lede tudo e retende o que for bom. (*)

Jorge Hessen(“A luz na mente”)-Como a Casa-Mater do Espiritismo deve enfrentar e proceder ante a proliferação de livros “doutrinários” de conteúdos confusos, especialmente pela Internet? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - De acordo com o Evangelho. Respeitando, a liberdade de pensar e de agir, já que cada um é responsável pelos seus atos e pela sua administração.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Considerando que sobre a FEB repousam muitas esperanças, mas também expectativas, como atuará para se aproximar dos espíritas carentes e pouco instruídos na educação formal, dado que representam expressivo estrato da sociedade brasileira? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Pelo trabalho exercido com humildade e amor, na ação pacífica de educação das criaturas na prática genuína do bem e no exercício da caridade como entendia Jesus, conforme expresso na questão nº 886 de O Livro dos Espíritos: "Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas".

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - A inclusão digital apresenta-se como meio propício para que os conteúdos das obras básicas e obras complementares, veiculados pela internet, a fim de que cheguem aos espíritas carentes com evidentes benefícios. Como a FEB poderia auxiliar os Centros Espíritas de periferia nessa questão?

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Disponibilizando o acesso a essas obras pelas mais variadas mídias e meios de comunicação existentes e apoiando o Movimento espírita nas ações de auxílio e apoio aos Centros Espíritas.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Será que livros gratuitos na internet gerariam impacto financeiro, em se tratando de uma prática comum atualmente?

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - É um tema a ser apreciado. Esta iniciativa a FEB já tomou quando disponibiliza obras para download em seu portal. 

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Será que os livros virtuais não dariam maior visibilidade ao portal da FEB, ou seja, não tornaria o site uma robusta ferramenta de divulgação da Nova Luz para o mundo? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Este é um assunto em estudo na FEB e que merece atenção, porque vem ao encontro da sua finalidade: estudar, vivenciar e divulgar a Doutrina Espírita. Para maiores esclarecimentos, a FEB já mantém um catálogo de e-books de mais de 120 títulos, que será ampliado a cada semana, com a disponibilização de outros títulos, como forma alternativa de acessibilidade ao conteúdo espírita. 

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Allan Kardec comenta no item 334, cap. XXIX, d´O Livro dos Médiuns, que a formação do núcleo da grande família espírita um dia consorciaria todas as opiniões e uniria os homens por um único sentimento: o da fraternidade. Estaria aqui o Codificador formulando alguma programação doutrinária visando à unidade dos espíritas por intermédio de instituições colegiadas?

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Entendo que o Codificador, nesse ponto, traz o cunho da caridade cristã, ao alertar os espíritas desejosos de se instruírem e vivenciarem os ensinos dos Espíritos a se unirem pelo sentimento de fraternidade, formando um núcleo da grande família espírita pelos laços da caridade.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Na condição de recém-eleito presidente da FEB, considerando o desígnio da “UNIÃO”, e compreendendo que vários membros do CFN tinham a esperança da reeleição do Antônio Cesar Perri, quais as estratégias a serem adotados visando asserenar e aglutinar tais membros do CFN?

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Paciência e serenidade; humildade e amor; sacrifício e devotamento; paz e resignação.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - A saída do ex-presidente da FEB comprometerá a coordenação do projeto do CEI? Os novos dirigentes estão em sintonia com o trabalho que o CEI vem realizando?

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - As instituições permanecem com seus objetivos e finalidades, as pessoas são transitórias e, portanto, os novos dirigentes conscientes desta realidade procurarão a sintonia com o trabalho que vem sendo desenvolvido.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - O irmão pretende partilhar com a comunidade espírita, na forma de consultas, audiências ou outros canais de comunicação, com o intuito de colher subsídios para tratar de matérias e temas importantes para o Movimento Espírita, além, obviamente, dos canais e mecanismos formais já existentes?

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Estaremos sempre abertos às contribuições que tratem de temas importantes emanadas de todos aqueles que desejam traze-las pessoalmente ou por intermédio dos meios disponíveis de comunicação. 

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Como a FEB deve administrar as questões filosóficas e científicas dos fenômenos metafísicos junto às academias e a outras fontes de conhecimento da atualidade? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Não interferindo, nem cerceando a liberdade de pensar e agir de quem quer que seja.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Com o crescente surgimento dessas entidades especializadas (Associação espírita de médicos, juízes, jornalistas, psicólogos etc.) como deve se posicionar a FEB, considerando o aspecto restritivo e até elitista dessas entidades? Aceitar e incentivar, acreditando que se trata de um evento imprescindível?

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Quanto a este aspecto a FEB tem posição clara e definida em seu Estatuto ao contemplar dispositivo que abriga as entidades especializadas de âmbito nacional no Conselho Federativo Nacional – CFN, e, como decorrência do crescente aumento, aprovou, em 2014, a criação do Conselho Nacional das Entidades Espíritas Especializadas da Federação Espírita Brasileira – CNE-FEB, como órgão de apoio técnico ao Movimento Espírita Brasileiro.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Numa sociedade mercadológica/mercantil em que eventos espíritas “grandiosos” e pagos em geral se apresentam em números cada vez maiores, qual deve ser a atitude da FEB? 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - A de prudência e respeito, sem conivência, mas orientada pelo Evangelho.

Jorge Hessen (“A luz na mente”) - Suas palavras finais. 

Jorge Godinho (“Presidente da FEB”) - Agradeço a oportunidade, desejando que estejamos sempre irmanados numa doce aliança de fraternidade e paz inabaláveis sob o amparo de Ismael e de Jesus.

(*) Nota do entrevistador: a posição do atual presidente da FEB no tocante à obra de Roustaing, s.m.j., não é aprovada pela ampla maioria dos espíritas brasileiros que a conhece e sequer é adotada pelo Conselho Federativo Nacional da FEB e pelo Conselho Nacional de Entidades Especializadas da FEB.

domingo, 17 de maio de 2015

A marcha ascendente dos antepassados do homem (JORGE HESSEN)

JORGE HESSEN
jorgehessen@gmail.com
Brasília, Distrito Federal (Brasil)









(*) Artigo publicado na Revista "O Consolador"
Link http://www.oconsolador.com.br/ano9/414/especial.html



Será que os chamados homens da “caverna” tinham consciência íntima? “Pesquisadores da Universidade de York descobriram que o homem de Neanderthal nutria um grande sentimento de compaixão. A conclusão adveio através das evidências arqueológicas e da observação sobre o modo como as emoções emergiram em nossos antepassados há seis milhões de anos, quando o ancestral comum dos homens e dos chipanzés vivenciou o despertar dos primeiros sentimentos. Para os arqueólogos, cerca de 1,8 milhão de anos atrás, o Homo erectus integrou o sentimento de compaixão com o pensamento racional através de ações como cuidar dos doentes e dedicar atenção especial aos mortos, demonstrando luto e desejo de suavizar o sofrimento alheio.”(1)



Cremos que as sepulturas datadas da era paleolítica comprovam já haver naquele período uma crença na vida após a morte e no poder ou influência dos ancestrais sobre a vida cotidiana do grupo familiar. Os integrantes do clã obrigavam-se a praticar ritos em homenagem a seus mortos pelo temor a represálias ou pelo desejo de obter benefícios, ou ainda por considerá-los seres divinizados.


Questão instigante é como o primata se tornou hominídeo. A resposta é ainda uma incógnita. Ainda não foi encontrado o "elo perdido", a espécie biológica que represente essa transição. “Pode-se dizer que, sob a influência e por efeito da atividade intelectual de Espíritos mais adiantados [que os antropoides], o envoltório se modificou, embelezou-se nas particularidades, conservando a forma geral do conjunto. Melhorados os corpos, pela procriação, deu-se origem a uma espécie nova, que pouco a pouco se afastou do tipo primitivo, à proporção que o Espírito progrediu.”(2)

Allan Kardec explica que "desconhecemos a origem e o modo de criação dos Espíritos; apenas sabemos que eles são criados simples e ignorantes, isto é, sem ciência e sem conhecimento, porém perfectíveis e com igual aptidão para tudo adquirirem e tudo conhecerem”.(3) O Espírito André Luiz argumenta que “para alcançar a idade da razão, com o título de homem, dotado de raciocínio e discernimento, o ser automatizado em seus impulsos, no caminho para o reino angélico, despendeu nada menos que um bilhão e meio de anos”.(4)

Muitas das transformações que se verificaram no “homo” foram promovidas em suas estruturas perispirituais, entre uma existência e outra (ou seja, na dimensão espiritual). Os Espíritos construtores, sob a supervisão do Cristo, retocavam, em vezes sucessivas, as formas perispiríticas, e estas alterações criariam o campo magnético para as futuras mutações. Experiências múltiplas, no patrimônio genético dos nossos antepassados, coordenadas por geneticistas siderais, foram modelando aquelas formas que deveriam persistir até os tempos atuais. A seleção natural se incumbiria de fazer desaparecer as formas primitivas inaptas. 

Linhagem definitiva para todas as espécies 

Conforme afirma Emmanuel, atualmente a ciência procura os legítimos antepassados das criaturas humanas nessa imensa vastidão da arena da evolução anímica. “No período terciário(5), sob a orientação das esferas espirituais, notavam-se algumas raças de antropoides, no Plioceno inferior [de 5,3 milhões a 1,6 milhão de anos]. Esses antropoides, antepassados do homem terrestre, e os ascendentes dos símios que ainda existem no mundo, tiveram a sua evolução em pontos convergentes, e daí os parentescos sorológicos entre o organismo do homem moderno e o do chimpanzé da atualidade.”(6)

Para o autor de “Renúncia”, não houve propriamente uma "descida da árvore" no início da evolução humana. “As forças espirituais que dirigem os fenômenos terrestres, sob a orientação do Cristo, estabeleceram, na época da grande maleabilidade dos elementos materiais, uma linhagem definitiva para todas as espécies, dentro das quais o princípio espiritual encontraria o processo de seu acrisolamento, em marcha para a racionalidade.”(7)

Os antropoides das cavernas espalharam-se então aos grupos pela superfície do globo, no curso vagaroso dos séculos, sofrendo as influências do meio e formando os pródromos das raças futuras em seus tipos diversificados; a realidade, porém, é que as entidades espirituais auxiliaram o homem do sílex, imprimindo-lhe novas expressões biológicas.

Os milênios correram o seu toldo de experiências drásticas sobre a fronte desses seres de “braços alongados e de pelos densos, até que um dia as hostes do invisível operaram uma definitiva transição no corpo perispiritual preexistente dos homens, surgem os primeiros selvagens de compleição melhorada, tendendo à elegância dos tempos do porvir”.(8) 

O tema da morte e “civilização” 

O Homem só começa a ser Homem quando começa a enterrar seus mortos, diz-nos o historiador Aníbal de Almeida Fernandes, em "A Genealogia como fator básico na formação da Civilização", e conclui: É o marco divisório entre o animal e o primeiro homem, e ocorreu há cerca de 40.000 anos com o Homo Sapiens e o Homo Neanderthal, antes mesmo da agricultura, e é o início da história humana. O sentimento de cultuar os mortos foi moldado, pois, a partir de época bem remota e está sedimentado em quase todas as tendências religiosas.

As comunidades primitivas, agropastoris, inclinadas ao culto agrícola e ao culto da fertilidade, acreditavam, originariamente, que, em sepultando seus mortos nas proximidades dos campos agrícolas, os Espíritos desses cadáveres ressurgiriam à vida com mais vigor, quais sementes plantadas em solo fértil, mas acreditavam que isso se daria como algo secreto e misterioso. Com essa crença, reverenciavam-se os mortos próximos às tumbas, com festas e, sobretudo, com muita alegria, prática que se estendeu viva em algumas culturas contemporâneas.

Os costumes dos povos primitivos foram-se modificando devido à influência de outros, vindos, provavelmente, do Norte da África (os Iberos) e do Centro da Europa (os Celtas). Veja-se o que nos revela um dos expoentes da Doutrina Espírita: "É dos gauleses que vem a comemoração dos mortos (...) só que, em vez de comemorar nos cemitérios, entre túmulos, era no lar que eles celebravam a lembrança dos amigos afastados, mas não perdidos, que eles evocavam a memória dos Espíritos amados que algumas vezes se manifestavam por meio das druidisas e dos bardos inspirados".(9)

Ressalte-se, aqui, que os gauleses evocavam os ancestrais mortos (divindades) nos recintos de pedra bruta.

As druidisas (sacerdotisas) e os bardos (poetas e oradores inspirados) eram verdadeiros "médiuns" e somente eles tinham consentimento para consultarem os oráculos (na Antiguidade, resposta de uma divindade a quem a consultava). Os gauleses, portanto, não veneravam os restos cadavéricos, mas a alma sobrevivente, e era na intimidade de cada habitação que celebravam a lembrança de seus mortos, longe das catacumbas, diferentemente dos povos primitivos. 

Advento dos forasteiros cósmicos 

De onde vieram tais Inteligências? Elucida o Espírito Emmanuel que “há muitos milênios, um dos orbes da Capela(10), que guarda muitas afinidades com o globo terrestre, atingira a culminância de um dos seus extraordinários ciclos evolutivos. Alguns milhões de Espíritos rebeldes lá existiam, no caminho da evolução geral, dificultando a consolidação das penosas conquistas daqueles povos cheios de piedade e virtudes, mas uma ação de saneamento geral os alijaria daquela humanidade, que fizera jus à concórdia perpétua, para a edificação dos seus elevados trabalhos”.(11)

As grandes comunidades espirituais, diretoras do Cosmos, “deliberam, então, localizar aquelas entidades, que se tornaram pertinazes no crime, aqui na Terra longínqua, onde aprenderiam a realizar, na dor e nos trabalhos penosos do seu ambiente, as grandes conquistas do coração e impulsionando, simultaneamente, o progresso dos seus irmãos inferiores. Aqueles seres angustiados e aflitos seriam degredados na face obscura do planeta terrestre; andariam desprezados na noite dos milênios da saudade e da amargura; reencarnariam no seio das raças ignorantes e primitivas, a lembrarem o paraíso perdido nos firmamentos distantes”.(12)

A Natureza ainda era, para os trabalhadores da espiritualidade, um campo vasto de experiências infinitas; tanto assim que, “se as observações do mendelismo fossem transferidas àqueles milênios distantes, não se encontraria nenhuma equação definitiva nos seus estudos de biologia. A moderna genética não poderia fixar, como hoje, as expressões dos "genes", porquanto, no laboratório das forças invisíveis, as células ainda sofriam longos processos de acrisolamento, imprimindo-se-lhes elementos de astralidade, consolidando-se-lhes as expressões definitivas, com vistas às organizações do porvir”.(13) 

Solidariedade selvagem? 

Apostam os arqueólogos que no interregno de 500 mil e 40 mil anos, o sentimento evoluiu e os primeiros seres humanos, como o Homo heidelbergensis e o Neanderthal, já demonstravam compromisso com o bem-estar dos outros, o que pode ser comprovado através de uma adolescência longa e a dependência em caçar juntos. Cremos que "não somos criações milagrosas, destinadas ao adorno de um paraíso de papelão. Somos filhos de Deus e herdeiros dos séculos, conquistando valores, de experiência em experiência, de milênio a milênio".(14) Com a conquista da razão, aparecem o raciocínio, a lucidez, o livre-arbítrio e o pensamento contínuo. “Até então, o progresso tinha uma orientação centrípeta [de fora para dentro]; o ser crescia pela força das coisas, já que não tinha consciência de sua realidade, nem tampouco liberdade de escolha. Ao entrar no reino hominal, o princípio inteligente – agora sim, Espírito – está apto a dirigir a sua vida, a conquistar os seus valores pelo esforço próprio, a iniciar uma evolução de orientação centrífuga [de dentro para fora].”(15)

Mas a conquista da inteligência é apenas o primeiro passo que o Espírito vai dar em sua estada no reino hominal. “Ele iniciou na valorosa luta para conquistar os valores superiores da alma: a responsabilidade, a sensibilidade, a sublimação das emoções, enfim, todos os condicionamentos que permitirão ao Espírito alçar-se à comunidade dos Seres Angélicos.”(16) Os sonhos premonitórios, as visões de Espíritos, a audição da voz dos mortos, inclusive nos fenômenos de voz direta, e a materialização de Espíritos foram fatos concretos, que levaram o homem primitivo à crença na continuação da vida após a morte.

Diretamente dos médiuns neandertalenses surgiram os feiticeiros, ancestrais dos sacerdotes de todas as religiões.(17) 

Sentimento e humanização da Terra 

Segundo um princípio sofista atribuído a Protágoras, "O homem é a medida de todas as coisas", mas uma medida por assim dizer afetiva, sem o controle da razão. Por isso Herculano Pires afirma que “é pelo sentimento, e não pelo raciocínio, que o homem primitivo humaniza o mundo”.(18) Destarte, ficam ratificadas as teses científicas sobre o homem pré-histórico que integrou o sentimento de compaixão na síntese do pensamento racional através de ações efetivas para o outro semelhante.


Notas e referências bibliográficas: 
(1) Publicado na Revista Galileu disponível no site.
(2) Kardec, Allan. A Gênese, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1997, cap. 11, "Hipótese sobre a origem do corpo humano".
(3) Kardec, Allan. Obras Póstumas, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1999, § 3º, 1ª Parte.
(4) Xavier, Francisco Cândido e Waldo Vieira. Evolução em Dois Mundos, ditado pelo Espírito André                 Luiz, Rio de Janeiro; Ed. FEB, 1994.
(5) As designações terciário e quaternário são resquícios de uma nomenclatura geológica anterior, quando eram usadas para distinguir rochas mais recentes de outras, mais antigas, classificadas então como primárias e secundárias. O terciário subdivide-se em cinco épocas: paleoceno (de 66,4 a 57,8 milhões de anos), eoceno (de 57,8 a 36,6 milhões de anos), oligoceno (de 36,6 a 23,7 milhões de anos), mioceno (de 23,7 a 5,3 milhões de anos) e plioceno (de 5,3 milhões a 1,6 milhão de anos). O período quaternário subdivide-se, por sua vez, em pleistoceno (de 1,6 milhão a dez mil anos) e holoceno ou atual (os últimos dez mil anos).
(6) Xavier, Francisco Cândido. A Caminho da luz, ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro; Ed. FEB, 1991.
(7) Idem.
(8) Idem.
(9) Denis, Léon. O gênio céltico e o mundo invisível. Rio de Janeiro: Ed. CELD. 1995, p. 180.
(10) Capela é magnífico Sol, inúmeras vezes maior que o nosso Sol. Dista da Terra cerca de 42 anos-luz. Conhecida desde a mais remota antiguidade, Capela é uma estrela gasosa, segundo afirma o célebre astrônomo e físico inglês Arthur Stanley Eddington, e de matéria tão fluídica que sua densidade pode ser confundida com a do ar que respiramos.
(11) Xavier, Francisco Cândido. A Caminho da Luz, ditado pelo Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro; Ed. FEB, 1991.
(12) Idem.
(13) Idem.
(14) Idem.
(15) Idem.
(16) Xavier, Francisco Cândido e Waldo Vieira. Evolução em Dois Mundos, ditado pelo Espírito André Luiz. Rio de Janeiro; Ed. FEB, 1994.
(17) Djalma Argollo. Estudos da Mediunidade antes da Codificação Kardequianahttp://www.espirito.org.br


(18) Pires J. Herculano. O Espírito e o Tempo, Introdução Antropológica ao Espiritismo, São Paulo: Edicel, 1979, 3ª edição.

sábado, 16 de maio de 2015

A nova “esquina de pedra” (Antonio Cesar Perri de Carvalho)


Antonio Cesar Perri de Carvalho


O inolvidável Wallace Leal V.Rodrigues publicou em 1975 a portentosa obra A esquina de pedra. Fundamenta-se em textos de Job, dos Salmos e de Isaías, respectivamente, sobre a “pedra de esquina”, “a cabeça da esquina” e a “pedra preciosa de esquina”. Passa por Atos: “Esta é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina” (Atos, 4,11) e focaliza Pedro: “É uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados” (I Pedro, 2:6-8).

O autor romancea ou se recorda de fatos que se passam no período do imperador Constantino, focalizando momentos em que ocorreram as descaracterizações do Cristianismo primitivo e puro, época de muitos sacrifícios de cristãos e tendo como pano de fundo a benquerença do romano Prisco e da cristã Galla, em Sebastes, na região da Capadócia. Depois de muitas enxertias na prática rotineira dos cultos, “uma divergência ameaça dividir a igreja [...] a questão é esta: devemos considerar Jesus Cristo como um Deus que assumiu forma humana ou simplesmente como um homem que atingiu uma perfeição quase divina?” (1). Estavam às vésperas do Concílio de Nicéia: “Verás o Cristianismo desaparecer e ceder lugar a uma nova doutrina à qual denominarão Catolicismo” [...] Mas um dia o Cristianismo se erguerá das cinzas” (2) 

Passados séculos, vivemos o momento do “reerguimento das cinzas”. A marcante Codificação Espírita e obras clássicas marcaram presença, bem como exemplos de dedicação e de renúncia de lidadores de um autêntico “exército de formiguinhas”. O Movimento Espírita brasileiro cresceu, mas ao mesmo tempo está cheio de ideias e ações personalistas e que representam um grande potencial para se desfigurar a proposta essencial da Doutrina Espírita, calcada no ensino moral do Cristo.

Evidentemente que tudo tem seu momento e dosagem. Os cursos foram e são necessários, mas é notório um excesso de “escolarização”, de requisitos e de pré-requisitos. O potencial trabalhador tem dificuldade de se integrar com espontaneidade nos centros espíritas. A própria mediunidade está “engessada” e há espíritas e centros que nem contam com a atuação de médiuns porque estes se tornaram quase de “especializados” e raros. Se se somar a quantidade de anos desde os momentos iniciais dos ciclos de infância e juventude, até os demais cursos, ultrapassa-se o tempo de formação de um profissional de nível superior. É hora de se fazer um reestudo sensato e sério de todo o processo.

Numa série de quatro seminários intitulados “Educação & Atividades Espíritas” realizados na FEB em 2014 e no início de 2015, concluiu-se que há necessidade de algumas mudanças que possam levar a transformações, como: “criar espaços interativos e dialógicos nos encontros de aprendizagem (mais conversa, menos exposição; os participantes têm muito com que contribuir); organizar espaços de aprendizagem atrativos e diversificados (jardins, excursões, visitas culturais e assistenciais); promover mais momentos informais de confraternização; conhecer o perfil do grupo e considerá-lo na escolha de abordagens didático-pedagógicas, as quais devem ser criativas e diversas; desenvolver acolhimento e zelo nas relações interpessoais; abordar o conhecimento doutrinário como apoio à transformação moral e social e não como um fim em si mesmo; considerar os saberes anteriores e atuais dos participantes no desenvolvimento do conteúdo; desenvolver acolhimento e zelo nas relações interpessoais; abordar o conhecimento doutrinário como apoio à transformação moral e social e não como um fim em si mesmo; considerar os saberes anteriores e atuais dos participantes no desenvolvimento do conteúdo; trabalhar com problemas e não somente com temas”.(3)

Ou seja, há necessidade de se trabalhar não apenas em nível cognitivo, mas com os valores e sentimentos.

Por outro lado há uma exagerada comercialização dos chamados “produtos espíritas”, como os livros, e, muitas instituições perdendo o caráter espírita, inclusive no texto do Estatuto, para manterem convênios com governos.

É chegado o momento para se realizar estudos e profundas reflexões sobre o Movimento Espírita: o que pretendemos? Para onde vamos?

Valores como os da simplicidade, fraternidade e solidariedade legítimos andam pouco valorizados. Nos centros espíritas, como anda o atendimento espiritual dos que chegam, como o acolhimento, consolo, esclarecimento e orientação?

Entre as importantes Obras Básicas de Allan Kardec, O evangelho segundo o espiritismo é utilizado para estudos e reflexões, com vistas à internalização e roteiro de vida ou simplesmente empregado como “leitura preparatória” de reuniões ou temas de algumas palestras?

Vivemos a época do “Consolador Prometido” pelo Cristo e será que não estaríamos correndo o risco de que o “Cristianismo que se erguerá das cinzas” se comprometer como uma “uma pedra de tropeço e rocha de escândalo”? 

Interessante é que na história, há registro do ex-doutor Saulo de Tarso, ao visitar a Casa do Caminho após suas conversão sentiu-se “torturado pela influência judaizante. Tiago dava a impressão de reingresso, na maioria dos ouvintes, nos regulamentos farisaicos. Suas preleções fugiam ao padrão de liberdade e do amor em Jesus Cristo” (4) e optou em deixar a tradicional e pioneira ecclesia de Jerusalém, iniciando sua grande tarefa de divulgador do Evangelho. Quase dois milênios depois, Chico Xavier optou em deixar a Comunhão Espírita Cristã, de Uberaba, da qual foi um dos fundadores, e deu início a um novo e simples ponto de referência: o Grupo Espírita da Prece, de Uberaba.

Em nossos dias, são muito necessárias profundas reflexões e análises sobre os rumos do Movimento Espírita, sendo sugestivas as ilustrações da “esquina de pedra”, o rompimento com o farisaísmo feito por Paulo e a opção pela simplicidade de Chico Xavier.

Referências:
1)      Rodrigues, Wallace Leal V. A esquina de pedra. 9. ed., Cap. XIII. Matão: Ed. O Clarim, 2009. p. 139.
2)       Rodrigues, Wallace Leal V. A esquina de pedra. 9. ed., Cap. XXIX.  Matão: Ed. O Clarim, 2009, p.399.
3)       http://www.febnet.org.br/blog/geral/noticias/material-do-seminario-educacao-atividades-espiritas/ (acesso em 23/03/2015).
4)      Xavier, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Paulo e Estêvão. 1. ed.esp. 2ª. parte, cap. III, Brasília: FEB, 2012, 257.

Transcrito de:
Revista Internacional de Espiritismo, Ano XC, No.4, maio de 2015, p. 182-183.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

AMOR, UM SENTIMENTO POR EXCELÊNCIA (Jorge Hessen)

Jorge Hessen

Diferentes pesquisadores creem que o “amor” procede das variações químicas do corpo. Será que o “sentimento por excelência” é uma patologia às vezes manifestada nas mãos suadas, perda de apetite, face enrubescida e batimento cardíaco acelerado? Ora, o amor vai muito além do cientificismo, do romantismo e do erotismo. A psicanálise, nos primórdios da teoria freudiana, colocou o problema do “amor” na dimensão do patológico. Em verdade, Freud teve de entrar no estudo e na pesquisa do “amor” pelos porões da psicopatologia. O aspecto patológico é o mais dramático do “amor” e o que mais toca o interesse humano.

Consistirá o amor em diferentes estágios identificados nos grupos de substâncias químicas atuando no corpo físico? [1]A testosterona e o estrogênio alimentam a luxúria? Será que a atração sexual provém apenas da produção de dopamina, norepinefrina e serotonina? Será que a oxitocina, produzida pelo hipotálamo, uma glândula cerebral, e liberada tanto por homens e mulheres durante o orgasmo, consegue manter por longos anos uma união afetiva entre casais? 

Hellen Fischer, uma das estudiosas do assunto, afirma que o amor tende a desaparecer em pouco tempo. Para ela a oxitocina “sensibiliza os nervos nas contrações musculares, porém o efeito dessas substâncias é pouco duradouro, resultando no esfriamento do amor e nas separações entre os casais, razão do grande número de divórcios”. [2]

Nessa direção caminha Barbara Fredrickson, diretora do Laboratório de Emoções Positivas e Psicofisiologia da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill [EUA], que sugere novo conceito sobre o amor, baseado no arranjo biológico. Para ela a ideia do amor eterno é um mito e uma impossibilidade fisiológica, pois o “amor” é fugaz. Trata-se tão-somente de “micromomentos de ressonância de positividade”. Barbara destaca três protagonistas-chave no microcenário do amor. O primeiro é o cérebro, ou, mais precisamente, os neurônios-espelhos. O segundo é a oxitocina, produzida no hipotálamo, para ela um hormônio vinculado ao “amor” e ao “afeto”. O terceiro é o nervo vago, que liga o cérebro ao resto do corpo, e em especial ao coração – isso torna a pessoa mais amorosa e aumenta suas conexões positivas. [3]

Não se pode definir amor como se fosse a abrasadora paixão que provoca os desejos carnais. Esta não passa de uma imagem de um grosseiro simulacro do amor. Nos dias de hoje, fala-se e escreve-se muito sobre sexo, sensualismo, erotismo; raramente sobre amor. Certamente, porque o “sentimento por excelência” não se deixa decifrar academicamente, repelindo toda tentativa de definição científica.

O Espiritismo demonstra que a natureza nos deu a necessidade de amarmos e de sermos amados. Um dos maiores encantos que nos são concedidos na Terra é o de encontrar corações que com o nosso simpatizem. “Dá-lhe ela [a natureza], assim, as primícias da felicidade que nos aguarda no mundo dos Espíritos perfeitos, onde tudo é amor e benignidade.” [4] Paulo de Tarso, escrevendo aos filipenses, informou que “o amor deve crescer, cada vez mais, no conhecimento e no discernimento, a fim de que o aprendiz possa aprovar as coisas que são excelentes”. [5] Se atendermos ao conselho do Apóstolo dos Gentios cresceremos em valores espirituais para a eternidade, mas se rumarmos por atalhos escorregadiços, “o nosso amor será simplesmente querer e tão-somente com o “querer” é possível desfigurar, impensadamente, os mais belos quadros da vida”. [6]

Léon Denis interpretou: “o amor, profundo como o mar, infinito como o céu, abraça todas as criaturas. Deus é o seu foco. Assim como o Sol se projeta, sem exclusões, sobre todas as coisas e reaquece a natureza inteira, assim também o Amor divino vivifica todas as almas; seus raios, penetrando através das trevas do nosso egoísmo, vão iluminar com trêmulos clarões os recônditos de cada coração humano”. [7]

O Amor “resume a doutrina de Jesus toda inteira, visto que esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os instintos elevados à altura do progresso feito. O ponto delicado do sentimento é o Amor, não o Amor no sentido vulgar do termo, mas esse sol interior que condensa e reúne em seu ardente foco todas as aspirações e todas as revelações sobre-humanas”. [8]

O amor, um sentimento por excelência, é a dinâmica da vida, e a harmonia da Natureza é o remédio para todos os males que atormentam o homem. Tudo o que possamos idealizar sobre o amor pode se consubstanciar como parcela deste sentimento, mas ele é muito maior e mais abrangente, até porque o bem-querer, toda a bondade, a tolerância, a alegria, a proximidade, só poderão ser um fragmento do amor quando não tiverem laços no apego, na imperiosa necessidade de permuta, no egoísmo que exige sempre condições e regras.

Referências bibliográficas:

[1]Disponível em http://noticias.terra.com.br/ciencia/como-reconhecer-os-sintomas-do-virus-do-amor-em-seu-corpo%2cb7be999b9b88b410VgnCLD200000b1bf46d0RCRD.html  acesso em 07/05/15
[2]Fischer , Helen. The Anatomy of Love, New York: Norton,1992
[3]Disponível em http://revistaplaneta.terra.com.br/secao/comportamento/o-amor-nao-e-eterno acesso em 01/03/2014
[4]Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB ed. 2002, questão 983-a
[5]Filipenses 1:9-11
[6]Xavier, Francisco Cândido. Fonte Viva, Cap 91, Problemas do amor, RJ: Ed FEB, 1999
[7]Denis, Léon. O Problema do Ser do Destino e da Dor, RJ: Ed FEB, 2000

[8]Allan Kardec. Da obra: O Evangelho Segundo o Espiritismo. Lázaro. [Paris, 1862.] 112a edição. Livro eletrônico gratuito em http://www.febrasil.org. Federação Espírita Brasileira, 1996.