sexta-feira, 9 de abril de 2010

ESPETACULARIZAÇÃO DA FÉ


Vania Borges Camargo

vaniabc@brturbo.com.br




ESPETACULARIZAÇÃO DA FÉ



A questão do custo de inscrição em eventos espíritas, bem assim a de captação de recursos financeiros, em geral, para esses mesmos eventos, retorna à ordem do dia, pois está sendo motivo de sérias discussões, atualmente, no nosso meio.

No meu entendimento, essa questão apresenta dois aspectos mais relevantes, dentre outros.

Um primeiro aspecto, que, a igual tempo, constitui um tema de fundo, diz respeito à própria natureza religiosa de Igrejas, movimentos e correntes que, em comparação com a prática da Doutrina Espírita, na experiência brasileira atual, leva a reflexões comparativas dessa prática com a daquelas Igrejas, no campo da comunicação mercadológica, midiática e massiva, com cultos em grandes espaços abertos ou fechados, inclusive com a presença de artistas e músicos, pastores-âncoras, exibições com depoimentos de pessoas, supostamente beneficiadas com curas, conquistas materiais de toda sorte, a corrida ao ouro das contribuições ensacadas. É tudo a espetacularização da fé. É, nem tanto assim, a demonização do demônio. É a vitória na vida à custa da cegueira da crença e de um, progressivamente, elevado custo do prêmio do “seguro” da realização dos anelos materiais em calorosas e fortes manifestações de esperança-espiral-espiritual.

As mais fortes e consolidadas dessas Igrejas e movimentos usam e abusam da televisão própria ou de tempo de televisão alheia, locado com o dinheiro de crentes, irmãos e fiéis.

Nada disso faz parte do “show” dos espíritas e do Espiritismo. Ao contrário, estes primam pela discrição, pela reflexão silenciosa. Os “améns”, as “aleluias” e os “vivas” não reverberam nos Centros Espíritas, verdadeiros templos de estudos, orações, forças do pensamento, do sentimento, do sensorial, do cativo-sensitivo-humanista. Quer dizer, o Espiritismo é a pregação de pequenos cultos do homem pelo homem, enquanto homem feito carne, mas, conscientemente, pronto a se fazer Espírito.

A espetacularização disso é o antiespiritismo. Seria um Espiritismo, caminhando para viver de “shows” de comunicação em grandes auditórios. Cobra-se uma “contribuição compulsória” dos participantes; em tudo ele passaria a concorrer com as Igrejas do mercado, que sugam a fé, a esperança, pior, a necessidade de quem, por esta própria natureza, necessita mais do que não necessita. E quem seriam os “pastores” da comunicação? Os palestrantes, os conferencistas, doutrinadores nacionais e estrangeiros? Ora, que venham estes, se quiserem, trazer sua contribuição “superior” ao desenvolvimento do permanente processo de “superiorização” daqueles que se entregam às missões individuais e sociais espíritas.

Chegam a ser grosseiras algumas manifestações daqueles que propõem o caminho da tendência da espetacularização do Espiritismo. É a tendência para o “ter”, superando a inclinação para o “ser”.

Um segundo aspecto, que é um contraponto do primeiro, é a humildade, o despojamento, o desprendimento, a descida ao nível dos participantes, a interlocução, o diálogo, tudo isso é o Espiritismo, praticado e ensinado, principalmente, pelos cultores e divulgadores da Doutrina Espírita, à voz surda dos livros, ou à voz baixa das pregações.

Aliás, o verdadeiro espírita tende a ser um pobre rico. Os espíritas vaidosos, orgulhosos, que adotam o lema do “custe o que custar”, tendem a ser ricos pobres. Nenhum espírita convicto, nenhum médium verdadeiro, nenhum teórico da doutrina pode ou, ao menos, deve discrepar dessa realidade na qual seu perfil de espiritista e espiritualista está traçado.

Se preferirem uma posição mais encorpada de adeptos espíritas, não completamente desafetos de poucas e específicas alternativas de custeio a eventos espíritas, creio que a posição adotada pela Federação Espírita do Paraná seja, plenamente, aceitável.

Nada além disso, sob pena de desconstruirmos, aos poucos, o Espiritismo no Brasil. Nossos crentes podem vir a se transformar em descrentes.

Estejamos, pois, de prontidão para agir contra idéias que denigram a pureza doutrinária espírita, pois atrás de nós vêm nossos herdeiros, a enfrentar um mundo em momentos de grande e maior inquietação moral, e, para esse enfrentamento, deverão estar bem apoiados na fé raciocinada, ou seja, na Doutrina Espírita, única com texto religioso, filosófico e científico capaz de elevar as consciências em desajuste a planos superiores.