quinta-feira, 7 de novembro de 2013

SILVÍCOLA VERSUS CIVILIZADOS – O INALTERÁVEL “APARTHEID” SOCIAL. Jorge Hessen

Jorge Hessen
http://aluznamente.com.br

Muitos compatrícios “civilizados” têm menosprezado os valores dos indígenas brasileiros. Alguns os acusam de malandros, ardilosos e preguiçosos. A rigor, o assunto sobre eles [“incivilizados”] não é debatido com frequência e quando é abordado é feito de modo burlesco. Alguns creem que os indígenas representam personagens adstritos ao passado do Brasil e que deixaram de ter importância histórica após a urbanização das cidades. Essa concepção superficial redunda na construção de uma imagem dos primeiros habitantes do país totalmente distorcida, apesar de cerca de 40% dos brasileiros terem algum parentesco com um silvícola ancestral.
Atualmente, todos os tipos de anomalias patológicas existentes nas áreas urbanas são disseminados nas pequenas áreas remanescentes (habitats) dos indígenas, inclusive alcoolismo e suicídios. Os fatores preponderantes são atribuídos à maior proximidade com as atmosferas citadinas e a intensificação do contato com a sociedade “civilizada”. Isso estabeleceu um processo de marginalização e paradoxal aproximação com o modus vivendis da modernidade. A rigor, o “silvícola” tem sofrido com a violência, o preconceito e a falta de efetivação de direitos fundamentais de sobrevivência. Os estudiosos consideram que as garantias dos “incivilizados”, estabelecidas pela Constituição brasileira de 1988, estão em risco devido ao avanço dos interesses econômicos, sobretudo no campo.
Não tem sido fraterno o relacionamento social entre “civilizados” e “silvícolas”. Não esqueçamos que a lei de evolução governa os ditames da Criação. Todos estamos em processo de evolução. Em nossa origem primordial somos dominados pelos instintos. A inteligência só gradativamente vai se desenvolvendo em cada um de nós. Todos fomos criados em estado de integral simplicidade e absoluta ignorância. Contudo, gradualmente nos afastamos das condições primárias através de múltiplas experiências e iniciamos longo processo de aprendizado e desenvolvimento, tendo como destino a angelitude.
O mesmo ocorre com os indígenas, que são espíritos no estágio de infância relativa e que também chegarão à angelitude. Tais seres são relativamente desenvolvidos, porque já nutrem paixões, e as paixões são indícios de desenvolvimento. São sinais de atividade e de consciência do eu, portanto, nos espíritos primitivos a inteligência e a consciência se acham presentes. A demanda que anotamos aqui é a forma de como os “civilizados” têm convivido com os “incivilizados” de todos os tempos. Sabemos a priori que para serem legítimas as aquisições das civilizações contemporâneas, é necessário estarem alicerçadas nos valores éticos, sem os quais as conquistas se convertem em emanações peçonhentas que culminam por aniquilar quem as promove.
Quando um espírito sai do estado silvícola ou de barbárie e, por força do progresso, adquire novos conhecimentos, tem início o acesso à civilização, mas essa civilização é ainda imperfeita em face da incompletude do seu progresso. Uma civilização só é completa pelo seu desenvolvimento moral. Obviamente, “não podemos responsabilizar a civilização pelos desvarios do mundo, mas sim o homem que a desfigura.”. (1) Portanto, a civilização é um estágio da evolução da humanidade, porquanto reflete o grau de moralidade e organização que nos é útil. Estágio este ainda incompleto, pois que embora imperfeito, a civilização demonstra o quanto fomos capazes de evoluir em organização e o quanto ainda necessitamos melhorar.
Dizem os Espíritos que “nenhuma sociedade tem verdadeiramente o direito de dizer-se civilizada senão quando dela houver banido os vícios que a desonram e quando ali as pessoas viverem como irmãos, praticando a caridade cristã. Até que isso seja alcançado, ela será apenas um conjunto de pessoas esclarecidas, que terão percorrido a primeira fase da civilização.”. (2) Portanto, não tão distantes dos indígenas, aborígenes e outros nativos.
Pedimos licença a fim de recordar as históricas agonias sofridas pelos nativos de todos os rincões. Veio-nos à mente o caso dos aborígenes australianos no início da colonização europeia em 1770. Os colonos ingleses trataram os nativos da Austrália com racismo e violência física. Perpetraram chacinas espantosas, estabeleceram leis discriminatórias. Nos idos de 1950, com o país já independente do tacão inglês, permanecia a discriminação racial contra qualquer indivíduo que não fosse de genealogia britânica.
No decorrer do século XX, o governo australiano retirou 100 mil crianças aborígenes dos pais (a maioria de pele clara, ou seja, mestiços) e as internou em centros educativos para incutir nelas a cultura ocidental. Esse tipo de ação foi denominada "Política de Assimilação". Os estudiosos batizaram o processo de "geração roubada" essas crianças “sequestradas” dos pais. Consta nos noticiários internacionais que, em 2008, John Howard, primeiro-ministro da Austrália, lamentou publicamente esse fato, mas não quis pedir desculpas oficiais, pois isso iria acarretar em milhões de dólares de indenizações para as famílias ou seus descendentes.
À medida que a civilização avança no tempo cria novas necessidades, estabelece novas fontes de angústias e violências. “As desordens sociais estão na razão das necessidades factícias criadas”. (3) O choque cultural entre “civilizados e silvícolas” é fruto de imaturidade moral dos citadinos. Porém, considerando a pluralidade das existências, consoante os Códigos divinos, os exploradores “civilizados” jazem subordinados ao imperativo da Lei de Causa e Efeito, e seguramente reencarnarão entre grupos de “indígenas ou aborígenes”, a fim de repararem os danos causados aos irmãos em evolução.
Não desconsideramos, nessas arguições, a rejeição que sofrem os demais infelizes “civilizados” completamente excluídos do convívio social, porquanto a ambição e o egoísmo atingem níveis insuportáveis. Vivemos numa civilização repleta de muita inquietude e de grande volubilidade emocional. Somos os seres racionais que amargam os paradoxos de surpreendentes conquistas científicas, ao mesmo tempo em que ainda coexistimos com a dengue, febre amarela, tuberculose, aids e com todas as espécies de droga (cocaína, heroína, skanc, ecstasy, crack, oxi etc).

Nesse contraditório panorama ainda sinistro da sociedade pós-moderna, o Evangelho do Cristo precisa ser a transubstanciação do mais poderoso recurso para o indulto das mentes humanas, escravas do persistente “apartheid” social.

Referências bibliográficas:
[1] Xavier, Francisco Cândido.  Nascer e Renascer, ditado pelo Espírito  Emmanuel, SP: Ed. GEEM, 1970
[1] Kardec , Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: Ed FEB, 1077, Perg. 793
[1] Idem perg. 926.