Luz na Mente entrevistou Cesar Perri, presidente da FEB
JORGE HESSEN
jorgehessen@gmail.com
Brasília-DF (Brasil)
Antonio César Perri de Carvalho
Antônio César Perri de Carvalho, presidente da Federação Espírita Brasileira, nasceu em Araçatuba (SP) e atualmente reside em Brasília (DF). Foi fundador de mocidade e de centro espírita, conselheiro e presidente da União Municipal Espírita de Araçatuba, diretor e presidente da USE – União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, secretário geral do Conselho Federativo Nacional e membro da Comissão Executiva do Conselho Espírita Internacional (CEI). Na entrevista que se segue, César Perri fala à revista A luz na Mente sobre os desafios que enfrentará para coordenar o Movimento Espírita Brasileiro.
A Luz na Mente – Considerando a disseminação do Evangelho com as fundações de “igrejas”, visitas e, sobretudo, intercâmbios epistolares de Paulo de Tarso com os “chefes” dos núcleos cristãos, pode-se identificar, nos primórdios do Cristianismo, um movimento organizado para a Unificação dos postulados da Segunda Revelação?
Antônio Cesar Perri de Carvalho – Nós identificamos claramente, nos primeiros cristãos, um trabalho que nos serve de inspiração e que estamos estimulando presentemente. Guardadas as devidas proporções, acreditamos que haja semelhança entre o trabalho dos cristãos primitivos e o Espiritismo. A rigor, a Codificação Espírita tem pouco mais de cento e cinquenta anos e isso é um período de tempo muito curto. A Doutrina se apresenta como Cristianismo Redivivo e o Consolador Prometido, que restabeleceria a Verdade e ensinaria algumas coisas a mais. Dessa forma, percebemos que os trabalhos pioneiros dos cristãos nos servem de estímulos, sim!
Quando Paulo de Tarso reunia os interessados do Cristianismo para o estudo da mensagem de Jesus, considerando as condições da época, fazia visitas, estimulava o intercâmbio, levava orientação e praticava trabalhos mediúnicos. Observemos que na Carta aos Coríntios consta a necessidade de “ordem no culto”. Quando olhamos as necessidades dessa “ordem”, claramente é como se fosse orientação para prática mediúnica, certa disciplina. Ao final do trabalho, quando percebeu que não teria mais condições de visitar a todos, Paulo foi inspirado pelo Espírito Estevão para minutar as epístolas, ou seja, estimulou o contato próximo, direto; todavia também à distância. Identificamos aí a origem, vamos assim dizer, daquilo que hoje nós praticamos na imprensa espírita.
Essa era a razão predominante, o objetivo dele em ajudar, apoiar e orientar os primeiros agrupamentos cristãos, inclusive para a prática da caridade no verdadeiro sentido da palavra. Recordemos que existia entre eles muita solidariedade – dessa forma encontramos entre os primeiros cristãos as bases que inspiram o Movimento Espírita atual, com um detalhe fundamental: naquela época não existia hierarquia, não existia uma organização que preponderasse sobre outra; isso surgiu muito mais tardiamente, daí ser importante olharmos a vivência dos primeiros cristãos e verificarmos aquilo que aproveitamos como parte de reflexão e de orientação para o Movimento Espírita atual.
A Luz na Mente – Allan Kardec comenta no item 334, Cap. XXIX, do Livro dos Médiuns, que a formação do núcleo da grande família espírita um dia consorciaria todas as opiniões e uniria os homens por um único sentimento: o da fraternidade. Estaria aqui o Codificador formulando alguma programação doutrinária visando a unidade dos espíritas por intermédio de instituições colegiadas?
Antônio Cesar Perri de Carvalho – Allan Kardec trabalhou exatamente a ideia colegiada, e fala da fundamentação, do vínculo da fraternidade. Mas percebemos, igualmente, em “Obras Póstumas”, que ele nos orienta sobre o funcionamento das instituições. Anota sobre uma comissão não centralizada numa única pessoa e essa experiência que nos sugere foi uma ideia que serviu de referência para a atualidade. Notemos que a noção de presidencialismo, não só na questão político-partidária, como ocorre no Brasil, mas igualmente nas instituições espíritas, é um presidencialismo que às vezes excede o conceito do termo presidencialismo em si; muitas vezes chega a se confundir com o autoritarismo.
Allan Kardec chega a propor que as decisões institucionais sejam colegiadas; que se discuta, que se troquem ideias, e nós estamos vivenciando essa experiência aqui na FEB. Desde que assumimos primeiramente de forma interina em maio de 2012, e atualmente eleito, trabalhamos em conjunto com todos os diretores da FEB, fazendo reuniões com periodicidade muito curta e tratamos todos os assuntos e decidimos em nível de diretoria. Entendo que é uma experiência enriquecedora, facilita a tomada de decisões e evita, às vezes, determinadas tendências pessoais.
A Luz na Mente – Qual a diferença essencial entre Espiritismo e Movimento Espírita?
Antônio Cesar Perri de Carvalho – O Espiritismo é a doutrina propriamente dita, composta pelas Obras Básicas e as chamadas obras complementares, que mantêm coerência com a Codificação, ou seja, o Espiritismo é a mensagem e a proposta. O Movimento Espírita é a ação; é realizado pelos encarnados. De maneira muito objetiva, Allan Kardec registrou na obra "A Gênese", Capítulo I, que o Espiritismo é de origem divina em face da ação dos Espíritos. Contudo, a concretização doutrinária se faz através dos homens, contributo da participação dos encarnados. Leon Denis, da mesma forma anota que o Movimento Espírita é de responsabilidade dos seres encarnados. Do exposto, e com base na Doutrina Espírita, temos que partir para a ação, e isso se efetiva no dia a dia, por isso somos os responsáveis pelas opções e atos. A decisão de agir ou não é nossa, dos encarnados, então o Movimento Espírita compete aos encarnados.
A Luz na Mente – Os princípios institucionalizados da Unificação inibem o ideário da União espontânea entre os espíritas?
Antônio Cesar Perri de Carvalho – A rigor, não. Em 1949 foi definido através do Pacto Áureo um itinerário de ação, dando origem ao CFN – Conselho Federativo Nacional, que é composto pelas entidades federativas estaduais com base na obra de Allan Kardec. Hoje em dia, dentro do contexto da idéia de união e de unificação, podemos perfeitamente estabelecer propostas de união e de parceria entre várias instituições, somando esforços, e portanto não há necessidade, desde que haja propósitos comuns, de ficarmos na dependência de conceitos antigos de controles. Essa é a ideia.
A Luz na Mente – O Pacto Áureo ainda pode ser avaliado como o grande marco da Unificação?
Antônio Cesar Perri de Carvalho – Pode ser considerado, sim, pois ele é genérico. Ele define a obra de Allan Kardec e decide também com base na obra “Brasil Coração do Mundo”. Os membros do Pacto chegaram à conclusão que o livro Brasil do Mundo Pátria do Evangelho mostrava qual seria a missão do Espiritismo no Brasil e qual a missão espiritual do Brasil também. É esse o roteiro que ele oferece. O Pacto não entra em detalhamentos, mas fala da União e criou o Conselho Federativo Nacional. Para o CFN funcionar ele foi primeiramente introduzido no Estatuto da FEB. Com a instalação do CFN, a área federativa da FEB é corporificada com a ação do CFN – é importante que saibamos disso. Então o CFN é que traz a orientação geral e define planos para o Movimento Espírita Nacional. Esse Conselho é presidido pelo presidente da FEB, mas é integrado pelas representações dos 27 estados.
A Luz na Mente – Quais os grandes desafios vistos para o Movimento Espírita brasileiro?
Antônio Cesar Perri de Carvalho – Nós estamos vivendo vários desafios. A ideia de difundirmos o Espiritismo, na sua pureza, é um grande desafio, pois, como ficou claro, de várias orientações de Allan Kardec, sempre haveria alguma tendência natural de se valorizar pessoas, de se personalizar, e com isso, o que nós assistimos atualmente é que há uma diferença entre a proposta de Kardec e algumas práticas. Por exemplo, na Apresentação de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec explica que optou por não colocar o nome dos médiuns junto às mensagens e apenas colocou o nome dos Espíritos, a cidade e a data. Para Kardec era mais importante o conteúdo das mensagens do que o nome do médium. Infelizmente, notamos que hoje em dia muitas pessoas, antes de ler o texto, querem saber primeiro quem é o médium, ou seja, inverte-se a situação.
Urge buscar-se mais a coerência doutrinária e maior compatibilidade com a base da Codificação ao invés de ficarmos exaltando ou levantando fileiras em torno de médiuns A,B,C ou D, ou seja, temos que somar, independente de quem seja o médium, desde que a mensagem tenha coerência e esteja fundamentada nas obras de Kardec; esse é o grande desafio.
A Luz na Mente – Recentemente, um espírita latino-americano participou de um evento doutrinário realizado no Brasil, e o mesmo nos confidenciou que a coordenação do tal movimento “doutrinário” proíbe aos seus membros quaisquer contatos com espíritas não integrantes do grupo. Qual a sua opinião sobre esse procedimento de tais coordenadores?
Antônio Cesar Perri de Carvalho – Essa postura é lamentável, pois em primeiro lugar ela fere a Constituição brasileira sobre o direito de ir e vir, ou seja, nenhuma pessoa pode ser impedida de se manifestar ou transitar no país. Em segundo lugar, ela não é uma proposta respaldada no Espiritismo, porque a Doutrina respeita, com base em Jesus, as diversidades e distintas realidades das pessoas, então, se eventualmente um de nós tiver uma visão ou interpretação doutrinária diferente, não podemos impedir que outro tenha a oportunidade de dialogar, conversar ou manifestar opções; caso contrário, seria um retorno a um processo, de certa forma, inquisitorial.
A Luz na Mente – O modelo federativo foi idealizado por mentes superiores, não temos dúvidas. O crescimento do Espiritismo gera distorções e perda na qualidade da mensagem e da prática espírita – é fato – fenômeno sociologicamente explicável. Boa parte dos dirigentes de casas espíritas nem sempre valorizam as ações dos órgãos de Unificação, atribuindo- lhes caráter meramente administrativo, burocrático, com pouco sentido prático. Considerando a sua larga experiência doutrinária, seja como fundador de mocidade espírita, conselheiro e presidente da União Municipal Espírita de Araçatuba, membro fundador de centro espírita, diretor e presidente da USE (União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo) e por fim presidente da Federação Espírita Brasileira, quais as ações que pretende desenvolver para aproximar a FEB das casas Espíritas?
Antônio Cesar Perri de Carvalho – Reportarei a minha primeira experiência. Quando era muito jovem, assumi a presidência da União Municipal Espírita de Araçatuba – órgão da USE- São Paulo. Naquele momento batalhei contra essas dificuldades, porque o Movimento de Unificação era recente, tinha apenas 20 anos (pós Pacto Áureo). Nessas condições, havia uma certa confusão entre as lideranças espíritas, sobretudo de qual seria a função do órgão unificador. Alguns tinham receio de que seria um órgão controlador ou fiscalizador. Por outro lado, havia muitas pessoas (jovens) no Movimento de Unificação, que pensavam também assim, e ocorriam muitos conflitos.
As reuniões eram simplesmente administrativas, então quando assumimos a presidência da UMEA, dentro desse contexto, tornamos as reuniões minimamente administrativas e preponderantemente voltadas para diálogos, para as propostas de ação, juntando esforços, de tal modo que conseguimos descentralizar, fazendo as reuniões em rodízios pelos centros espíritas da cidade. Aproveitamos experiências para que elas se tornassem coletivas.
Essa a ideia que, guardadas as devidas dimensões, ainda seguimos, embora atualmente exista uma abrangência gigantesca e um grau de complexidade muito maior, mas mantivemos essa postura para tornar mais dinâmicas as reuniões do CFN. Vejamos, conseguimos suprimir a leitura de relatórios, e hoje as federativas encaminham um relatório por meio de um formulário eletrônico – transferimos para um DVD e distribuímos; desse modo utilizamos o espaço reunião para discutir planos de ação, e, assim avaliarmos situações que merecem discussão para o desenvolvimento espírita. Entendemos que esse seja o melhor caminho.
A Luz na Mente – Considerando que as sandálias de nosso Mestre Jesus sempre estiveram próximas aos necessitados e sofridos, e especialmente junto a esses irmãos em humanidade que Ele nos ofereceu provas de amor insuperáveis, e considerando que sobre a FEB repousam muitas esperanças, mas também expectativas, como atuará para se aproximar dos pobres e pouco instruídos na educação formal, dado que representam significativo extrato da sociedade brasileira?
Antônio Cesar Perri de Carvalho – Essa é uma preocupação para a qual estamos procurando colocar a solução em prática. Há três anos consubstanciamos um projeto que se titulava “interiorização”, ou seja, estimulávamos a ação de representantes, diretores e colaboradores da FEB juntamente com uma federativa estadual para ir ao interior, não ficarmos só nas capitais. Assim, tive o prazer de conhecer duas cidades do interior do amazonas, uma delas viajando de barco durante duas horas, justamente para ter o contato com a realidade da base. Um desses centros que visitamos não possuía luz elétrica. A nossa participação à noite foi através do clarão de uma fogueira, porque para eles era uma ocasião especial, pois normalmente usavam a luz de velas.
Após essa experiência (interiorização), começamos outros projetos que seriam implementados, que são as ações integradas de acolhimento, consolo, esclarecimento e orientação no centro espírita, porquanto concluímos também que aquela ideia de departamento ou setor, ou seja, muita burocracia, não seria efetiva, até porque a grande maioria dos centros espíritas do Brasil são casas simples e pequenas, não tendo espaço nem condições para tais trâmites.
Assim, começamos a trabalhar em torno de um projeto, uma ação, um acolhimento junto a essas pessoas simples, além da ideia de valorizar os centros humildes, periféricos, pequenos, que às vezes não têm condições de manter os custos, mas podem perfeitamente seguir esses passos de acolhimento, consolo e orientação.
Nós estamos caminhando nesse sentido e aí recordo de um companheiro nosso que foi muito feliz na confecção de um cartaz com a imagem da formiguinha. Ele fez a comparação com a formiga e que nos remete a uma mensagem de Fenelon, no Cap. I do Evangelho Segundo o Espiritismo, onde o Espírito examina: “não são esses animálculos (formigas) que conseguem levantar o solo?” É a ideia do trabalho simples, mas persistente e em conjunto, isso que pretendemos disseminar.
A Luz na Mente – Suas palavras finais.
Antônio Cesar Perri de Carvalho – As nossas palavras finais são de sugestão aos espíritas para que aproveitemos o momento que nós estamos vivendo, que é o período, segundo Emmanuel, de aferição de valores, e é um momento bastante delicado e sensível, porque nós temos os compromissos individuais e compromissos coletivos, e com relação ao Movimento Espírita, é muito importante lembrar o nosso trabalho respaldado no propósito de União, de concórdia e de benevolência recíproca. Então é isso que deve animar a nossa atuação conjunta no Movimento Espírita e no relacionamento com a própria sociedade