Jorge Hessen
http://aluznamente.com.br
Um
católico acusou a esposa de pedofilia e entrou com uma ação de
declaração de nulidade do matrimônio nos tribunais eclesiásticos. Os
conselhos religiosos reconheceram o pedido de anulação e o veredito teve
consonância com as exigências do Direito brasileiro, inclusive
produzindo efeitos civis. “Para isso, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) homologou a sentença do Tribunal de Assinatura Apostólica, do
Vaticano, sobre a declaração de nulidade do casamento do casal
brasileiro, com base no Acordo Brasil-Santa Sé. A decisão do STJ tem
validade tanto para o casamento realizado no cartório e em igreja quanto
o casamento religioso celebrado no templo com efeito civil (1)”.
O
casamento celebrado em conformidade com a lei canônica, ao ser
considerado nulo pela Igreja, os esposos passam a ser solteiros, e não
divorciados, como seria se tivessem conseguido a anulação pela lei
civil. É no mínimo extravagante tal situação, pois a doutrina da igreja
romana não consagra o divórcio, porém juízes eclesiásticos podem
decidir sobre anulação de consórcio matrimonial. É uma maneira de
esconder o sol com a peneira.
O
desfecho do caso acima é um espetáculo bizarro, pois a igreja romana,
que não acata o divórcio, mas revoga casamento, que para ela deve ser
“indissolúvel”, e culmina por reconhecer a nulidade de certas uniões
matrimoniais problemáticas. É por essa e outras razões que o Espiritismo
afirma que “a indissolubilidade absoluta do casamento é uma lei humana
muito contrária à da Natureza (2)”.
Nem
mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento. A
indissolubilidade matrimonial é uma imposição teológica que não se
justifica, até porque existem muitas aprovações de nulidade de casamento
pela Cúria romana. Para alguns “experts” o atrativo nesses casos é o
retorno ao estado de solteiro, só possível pelo processo canônico, para
os praticantes da religião católica. Pode ser que isso interesse a
muitos católicos, ou seja, “voltar ao status de solteiro, embora tenham
passado os tempos tão preconceituosos em que ser divorciado ou
divorciada era uma nódoa pesadíssima imposta pela sociedade (3)".
A
aceitação pelo Superior Tribunal de Justiça sobre a decisão da Santa Sé
causou desconforto entre especialistas de Direito Civil. “O debate é se
o STJ feriu o princípio do Estado laico e se a anulação é producente
mesmo depois da instituição do divórcio direto (4)”. No Direito civil,
em um divórcio, as partes podem requerer pensão e partilha de bens. Na
anulação eclesiástica, se um dos cônjuges for considerado culpado não
pode reivindicar os direitos, exceto se houve aquisição de patrimônio
enquanto casados.
As leis
terrestres (civis e eclesiásticas) não podem ser estanques porque elas
se modificam segundo os tempos, os lugares e o avanço da inteligência. O
casamento é um rito humano, e não há dois países onde o evento seja
categoricamente semelhante. O que é legal num país (a poligamia, por
exemplo), é adultério noutro país. “A lei humana tem por finalidade
regular os interesses sociais, que variam segundo as culturas. Em certos
países, o casamento religioso é o único legítimo; noutros é necessário,
além desse, o casamento civil; noutros, finalmente, este último
casamento basta (5)”.
A certidão
de casamento não supera a lei do amor, contudo o casamento não é
contrário à lei da Natureza, muito pelo contrário, pois “é um progresso
na marcha da Humanidade (6)”. A abolição do casamento sim “seria uma
regressão à vida dos animais (7)”. Para Allan Kardec o estágio primário
do homem é o da união livre e ocasional dos sexos. “O contrato
matrimonial estabelece um dos elementares atos de avanço nas sociedades
humanas, porque institui o vínculo jurídico e fraterno e se ressalta
entre todos os povos, inobstante em condições não uniformes (8)”.
A
proscrição do matrimônio consistiria em regredir à infância da
Humanidade e poria o homem abaixo mesmo dos seres irracionais. O
divórcio não contraria as Leis de Deus e objetiva “separar legalmente o
que já, de fato, está separado, portanto não é contrário à lei de Deus,
e só é aplicável nos casos em que não se levou em conta o amor.(9)”.
Emmanuel
aclara o assunto afirmando que a expectativa de um casamento
indissolúvel aumenta o número de uniões irregulares. É verdade! O que é
mais racional se aprisionar um ao outro os esposos que não podem viver
juntos ou restituir-lhes a liberdade? Obviamente, “partindo do princípio
de que não existem uniões conjugais ao acaso, o divórcio, não deve ser
facilitado (10)”. É nos casamentos que ocorrem burilamentos e
reconciliações para a sublimação espiritual.
Não
nos é justo estimular o divórcio de ninguém, mas reconhecemos que no
limite da resistência pessoal, “é compreensível que o esposo ou a
esposa, relegado a sofrimento indébito (ameaça de morte, desprezo,
infidelidade), se valha do divórcio por medida extrema contra o
suicídio, o homicídio ou calamidades outras que lhes complicariam ainda
mais o destino (11)”.
Cabe a
cada um de nós reconfortar e fortificar os esposos em demanda, nos
matrimônios provacionais, a fim de que vençam as próprias aflições,
encarando as duras fases de regeneração ou expiação que pediram antes
da reencarnação, em auxílio a si mesmos. Conquanto o divórcio, baseado
em razões justas, seja providência humana claramente compreensível, não
nos compete instigar a separação, até porque “em briga de marido e
mulher se mete a colher”, respeitemos e saibamos que são eles mesmos, os
casais que desejam a separação entre si é que devem decidir,
cabendo-nos exclusivamente a obrigação de respeitar-lhes o livre
arbítrio sem ferir lhes a decisão.
Referências bibliográficas:
(1) Disponível em http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/stj-reconhece-senten%C3%A7a-do-vaticano acesso em 04/07/13
(2) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, questão 697, RJ: Ed. FEB, 1972
(3) Disponível em http://estadao.br.msn.com/ultimas-noticias/stj-reconhece-senten%C3%A7a-do-vaticano acesso em 04/07/13
(4) Idem
(5) Kardec , Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XXII , RJ: Ed FEB, 2000
(6) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, questão 695, RJ: Ed. FEB, 1972
(7) idem questão 696, RJ: Ed. FEB, 1972
(8) Kardec , Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XXII , RJ: Ed FEB, 2000
(9) Idem
(10) Xavier, Francisco Cândido. Sexo e Vida, ditado pelo espírito Emmanuel, Cap 8 - Divórcio ,RJ: Ed. FEB, 1978
(11) Idem